24/11/2023 - 17h32
O que o Vale do Silício sabe sobre gestão de pessoas que o resto mundo ainda não entendeu?
Artigo de Bruno Soares, da Feedz, depois de fazer um curso na Stanford Graduate School of Business
Por Bruno Soares*
É com essa pergunta do título que eu viajei até a Califórnia para me aprofundar sobre gestão de pessoas e entender a cultura do Vale do Silício no curso People, culture and performance: strategies from Silicon Valley, da Stanford Graduate School of Business. Afinal, nós conhecemos empresas como Google, Meta, Intel e tantas outras que foram fundadas por lá e despontaram mundo afora. Mas, na visão de “pessoa de RH”, minha curiosidade sempre foi entender: o que essas empresas fazem de diferente em relação a sua cultura, ao seu time de gestão?
Uma das primeiras aulas que tive na minha imersão foi sobre Inteligência Artificial para RH. Experimentamos um futurismo assustador, em que nas redes sociais observamos várias pessoas falando “vai mudar tudo, as empresas vão se digitalizar, robotizar e vamos perder nossos empregos”, enquanto nada disso é verdade. Nós temos uma transformação a ser feita, principalmente em relação ao uso de algoritmos e ferramentas que usem inteligência artificial. Mas, de fato, o que precisamos é mudar a nossa mentalidade, entendendo que as pessoas não serão substituídas por robôs, mas sim por outras pessoas que saibam usar IA a seu favor, e trabalhar isso na cultura da empresa.
E, se entendemos que esta tecnologia de fato veio para ficar e para transformar a maneira como fazemos negócios, o RH aqui tem um papel importante inclusive na capacitação e desenvolvimento dos profissionais frente a essa ferramenta. A empresa indiana Wipro, por exemplo, fez todos os 250 mil colaboradores fazerem um curso sobre inteligência artificial, para entender qual é a importância dos dados, o que é machine learning, quais são os principais cases de uso e como usar isso no dia a dia. Isso é um exemplo de como a IA foi integrada à cultura da empresa.
O segundo ponto levantado no curso foi: na prática, a teoria é diferente. O que difere uma empresa da outra é a velocidade com a qual realizam as atividades. Essa reflexão surgiu a partir de uma das tarefas que tivemos, em que nos dividimos em grupos para trocar pneus de carros da Nascar. Nessa atividade, primeiro nós tivemos 10 minutos de teoria e fizemos em 45 segundos; depois, tivemos 5 minutos de treino e reduzimos para 25 segundos de prática; e, por fim, de 1 minuto de prática para 20 segundos de realização. Com esse exercício, um grande aprendizado que tivemos é que tem coisas e assuntos que não sabemos, não dominamos e não vamos conseguir realizar essas atividades com agilidade e excelência sem haver muita dedicação e prática.
A prática é fundamental para o desenvolvimento da companhia e, se quiser inovar, é preciso ter uma disciplina de inovação e ter uma intencionalidade para essa inovação. Terceiro ponto que eu aprendi: arquitetura da escolha. Como as pessoas tomam decisões melhores? É preciso que o UX (User Experience) seja aplicado dentro das empresas, de forma que os colaboradores tenham acesso a ambientes, informações e pessoas de maneira mais fácil, apoiando seu processo de decisão no dia a dia. Isso pode ser aplicado ao processo de feedback, estruturando e aplicando um modelo que seja acessível, tenha critérios bem desenhados e uma arquitetura de gestão de pessoas bem definida. A arquitetura da escolha precisa estar alinhada a uma comunicação interna bem feita e transparente, de forma que todos os processos e informações da empresa sejam entendidas pelos colaboradores. E isso é missão primordial do RH. Outro ponto enraizado na cultura do Vale do Silício que precisamos instaurar e fortalecer dentro das nossas organizações é uma cultura baseada no comportamento.
Cultura são os comportamentos que as pessoas têm na empresa quando não são observadas. Isso é extremamente profundo. Os comportamentos precisam ser observados - eventualmente ajustados, se necessário - para que a cultura seja explícita e principalmente explicada, a fim de que os valores e os propósitos da corporação estejam conectados ao comportamento diário das equipes.
O último tópico provocado durante o curso foi o desafio da mudança. Acredito que todos esses pontos levantados sejam difíceis de serem aplicados na prática, mas a mudança só de fato acontece se houver uma mudança na cultura da empresa. Quando observamos o caso da Kodak, que decretou falência por não se modernizar e digitalizar, pensamos que o negócio fracassou por má gestão e falta de competência. Mas, ao ver entrevistas do CEO da época, ele deixa claro que não conseguiu mudar a cultura analógica que existia entre os colaboradores. Ou seja, por mais que ele quisesse promover uma transformação, não houve transformação de cultura e mentalidade para mudar a estratégia da empresa.
Por todos esses pontos, e tantos outros que podemos acrescentar, é que é preciso que o RH se posicione cada vez mais de forma estratégica para os negócios, entendendo qual é a cultura e como são as pessoas da empresa. Assim, é possível observar e entender o presente para poder desenhar o futuro.
*Bruno Soares é CEO e cofundador da Feedz by TOTVS
Foto: Divulgação