27/05/2024 - 18h15
O futuro do RH: Como a inteligência artificial está transformando as práticas de gestão de pessoas
Thaylan Toth, da Mindsight, avalia o uso da IA em um campo subjetivo e de difícil mensuração
Por Thaylan Toth*
A era da IA chegou para todos os setores do mercado. Porém, quando o recorte é a área de Recursos Humanos, há muitas dúvidas sobre a sua aplicação, pois é o setor responsável pela gestão de pessoas, um campo subjetivo e de difícil mensuração. Apesar das dificuldades, já existem muitos usos positivos e bem estabelecidos de IA no RH e é sobre eles que vou falar nesse artigo.
É importante dizer que muitas discussões sobre o tema são exageradas e pouco produtivas. A visão de que a IA poderia substituir o capital humano no RH não parece muito promissora. Acredito muito mais na perspectiva de que essa tecnologia vem para apoiar a área a trabalhar de forma cada vez mais estratégica, embasada e menos operacional. Antes de abordar o uso da Inteligência Artificial no RH em si, é importante não subestimar as dificuldades inerentes da área de gestão de pessoas. O primeiro grande obstáculo é o baixo número de especialistas em dados que se interessa pela análise de gente.
Isso acontece porque os dados relacionados ao RH não são óbvios e não há medida comum que sirva de molde. Quando falamos de finanças, por exemplo, tudo é medido com base em dinheiro, em moeda. Na gestão de pessoas, temos diferentes indicadores, como eNPS, salário, performance, horas extras, e tantos outras. Essa grande salada de métricas dificulta análises altamente precisas, e profissionais de dados tendem a ter mais afinidade com áreas mais exatas. Logo, o fluxo mais comum é um profissional de RH com perfil mais analítico que resolve se especializar em dados, e não o contrário. É assim que a maioria das áreas de people analytics nas empresas se forma.
A segunda grande dificuldade é o orçamento limitado. Existem duas causas principais desse problema. A primeira é que o RH muitas vezes é tido como uma área de suporte, back office e não essencial. Dado esse status, tem dificuldade de conseguir relevância no orçamento, e em períodos de retração, é a primeira área a sofrer cortes.
Outro fator que impacta na disponibilização de recursos, é a dificuldade de comprovar retorno sobre o investimento. Os resultados de RH tendem a ser indiretos, e por isso, a relação entre uma ação e o impacto dela para o negócio não é tão clara. Importante ressaltar que os resultados existem e podem ser medidos sim. Mas não é algo tão fácil.
Além do orçamento limitado, o terceiro grande problema é a crença de que o feeling é o que importa na área de gente. Essa é uma mentalidade que eu fico feliz em enxergar que tem mudado no RH, mas que ainda existe. O profissional tende a adquirir uma sensação de que sabe avaliar as pessoas e situações melhor do que se seguir uma régua de avaliação, ou um processo.
A questão é que esse feeling muitas vezes é carregado de vieses, que são inconscientes e inerentes a nossa condição como seres humanos. E é aqui que a tecnologia tem muito a agregar também. É claro que se você alimentar a IA com dados enviesados, ela replicará esses padrões. Mas se você utilizar parâmetros objetivos, evitar dados demográficos e de background, e manter um fluxo de informações claro, a tendência é que ela seja mais justa que o feeling das pessoas.
Com todos esses desafios em mente, na hora de propor o uso de IA no RH é preciso ser estratégico. O RH é uma área que não trabalha sozinha. Ela depende completamente da adesão de líderes e funcionários aos projetos para ter impacto real. Portanto, uma das preocupações deve ser em diminuir o atrito dos processos. A IA necessariamente precisa contribuir para que funcionários e gestores tenham menos trabalho ao participar dos processos de RH. Um exemplo de redução de atrito são tecnologias que facilitam o preenchimento de avaliações de desempenho e o feedback para os times. Poder gravar um áudio ao responder sobre as pessoas avaliadas e ter essa fala transcrita, com os principais pontos em destaque, é um desses usos.
Outra possibilidade, no caso de avaliações com diferentes grupos, como a 360º, é gerar um compilado automático de pontos fortes e pontos de melhoria, baseado na interpretação de todos os feedbacks. Esses são exemplos de diminuição de atrito úteis para direcionar conversas de carreira, feedbacks e construção de planos de desenvolvimento. Outro caminho é o uso de LLMs (Large Language Models), que nada mais são do que IAs focadas na interpretação de linguagem e textos. Um exemplo dessa tecnologia é o famoso ChatGPT. E no RH essa mesma técnica de interpretação de linguagem pode ser utilizada para alimentar um chatbot de RH.
O RH responde diariamente a diversas dúvidas de funcionários, seja por e-mail, mensagem, ou em reuniões. Os LLMs podem ser alimentados com todas essas informações já previamente estabelecidas, além de documentos sobre políticas e práticas, para que nas próximas questões, os funcionários possam perguntar diretamente para um chatbot e ter suas dúvidas resolvidas de forma ágil e precisa.Esse é um exemplo claro de desperdício de tempo do RH com atividades operacionais que pode ser otimizado para que foquem em ações mais estratégicas, como melhoria das políticas da empresa.
Outra preocupação essencial na aplicação de IA é a garantia de que os processos se tornem mais inteligentes. As grandes decisões de pessoas, como contratação, promoção e demissão, não são tomadas diretamente pelo RH, mas sim pelos gestores das demais áreas das empresas, com apoio da área de pessoas para fornecimento de histórico de dados e orientação em relação a procedimentos. Sendo assim, a IA precisa ajudar a tornar essas decisões mais estratégicas e eficientes. Aqui surgem as possibilidades dos alertas com base em dados. Ao notar os padrões de movimentos dos funcionários na empresa, a IA é capaz de fazer apontamentos para a liderança.
Ela pode apontar as pessoas com mais probabilidade de pedir demissão, com mais potencial de se tornarem líderes, gestores com problemas de gestão de times, funcionários com risco de burnout, dentre outros. Além disso, com o passar do tempo e a realimentação dela com planos de ações tomados e seus resultados, ela pode começar a trazer sugestões de intervenção. Por exemplo, sugerir férias e acompanhamento psicológico no caso de risco de burnout, e sugerir a elaboração de um plano de desenvolvimento com base em objetivos de carreira para potenciais lideranças, entre outros.
Em suma, o recado que eu quero deixar para o RH é de abraçar essa tecnologia, utilizando-a de forma estratégica para o que realmente importa. E as três linhas de utilização principais que recomendamos são: diminuir atrito nas coletas de RH (avaliações e pesquisas); estruturar alertas inteligentes que gerem insights relevantes para lideranças; facilitar o acesso a informação para todos os funcionários. Dessa forma, o RH pode focar seus esforços em garantir o funcionamento desses sistemas, e mais do que isso, atuar estrategicamente para elevar a qualidade das interações humanas, aumentando o ganho a partir do capital humano da empresa.
*Thaylan Toth é CEO e fundador da Mindsight
Foto: Divulgação/Mindsight