24/08/2021 - 00h00
Diga não à retenção! Um RH aspiracional engaja por propósito!
Para que talentos permaneçam na empresa, aspire e inspire, diz Maurício Chiesa Carvalho neste artigo
Por Mauricio Chiesa Carvalho*
O que te move? O que te motiva? Qual seu propósito de vida? Viva o Ikigai! Para quem não conhece, trata-se de um termo japonês que significa "razão de viver".
Engajamento ocorre quando existe propósito. A área de Recursos Humanos/Gestão de Pessoas às vezes padece de modismos ou terminologias que estão em "voga". E um RH estratégico não deve ser visto como o “abraçador de árvore”. E o papel o RH nesse contexto é ser aspiracional.
Antes de tudo, invoquemos a língua portuguesa. Aspirar significa “o desejo de conseguir ou conquistar algo”. Aspiração é onde tudo começa. Inspiração vem depois de você definir o que quer. Em outras palavras, antes de inspirar, devemos aspirar.
Um líder, para ser inspirador, primeiro, ele deve ser aspirador. Aspirador consigo próprio e, depois, com o próximo. Trazendo para a literatura organizacional e empresarial a síndrome de Alice no País das Maravilhas, se não sei o que quero, quem eu quero ou quem sou, qualquer coisa me serve. Ou seja, nem líder nem empresa saberão inspirar se não souberem aspirar.
Aspiração tem ligação com propósito e alma, já inspiração, energia para influenciar. Saiba antes o que aspira para depois, agir para influência. A área de RH, que já tem nomes de Gestão de Pessoas e, inclusive, de Gente & Cultura, é a chancela dessa identidade organizacional. Muitas vezes, o RH não alinha suas ações e proposições à cultura da empresa. Ou seja, não tem habilidade aspiracional. Aí pergunto: como inspirará a organização a “patrocinar” eventos, proposições e ações se está desconexo ao DNA organizacional?
Usemos a citação de Leonardo Da Vinci: Simplicidade é o último grau de sofisticação. E ter um propósito é muito sofisticado. O termo “retenção de talentos” começou a ser utilizado com frequência por nossa área. Mas, qual é o real significado da palavra? Segundo a gramática, é o “estado que se mantem, retido, detido, segurado a força”. Me chamou a atenção a definição "encontrar detido". Em uma analogia "paradoxal", podemos, então, entender que você reteve quem queria sair com alguma coisa que o deixou "preso" a uma necessidade. E, não necessariamente, uma expectativa.
Usou-se de maneiras "cartesianas" para sucumbir um "contrato psicológico" ao segundo plano. Friedrich Nietzsche já dizia que aquele que tem um “por que” para viver, pode enfrentar quase todos os “como”.
Nunca esteve tão em evidência esses questionamentos: Qual é o propósito desta organização? Qual é o meu propósito? O que significa trabalhar aqui?
Respostas a isso geram emoções quem possuem papel importante para um estado de ânimo positivo contagiante. Antigamente, falaríamos que poderia afetar diretamente aspectos como absenteísmo, saúde e níveis de esforço e energia. Neste momento, tais emoções auxiliaram na busca de um bem coletivo, de uma solidariedade, de uma esperança. Tal “corrente do bem”, assim digamos, contribuiu para um legado altruísta, que foi observado, vivido, sentido.
Assim, entre tantas definições, é possível dizer que engajamento consiste em quão apaixonadas são as equipes a respeito de seus empregos, quão comprometidas estão com a companhia e quanto esforço designam para tal atividade. A explicação pode remeter à de satisfação no trabalho, mas o engajamento de equipes vai ainda além, já que não trata apenas de estarem felizes ou não, mas sim de sua motivação, envolvimento e até compromisso emocional com o trabalho.
Além disso, profissional engajado é sinônimo de produtividade. Quando um colaborador se identifica com a marca em que trabalha, se vê mais entusiasmado e disposto a realizar suas atividades. E o resultado é claro: crescimento não só do trabalhador, como também da empresa. Não se deve esquecer, ainda, que colaboradores motivados tendem a permanecer por mais tempo na organização e são importantes auxiliares no marketing: engajados, eles disseminam a boa imagem da marca para a qual trabalham. Ou seja, reforçam velha máxima que seu primeiro cliente é o interno.
Quando pensamos em branding (vamos considerar marca, imagem e percepção), automaticamente associamos à imagem que os clientes têm da empresa. No entanto, criar e manter uma imagem “vendável” da sua marca não é uma tarefa apenas para o departamento de Marketing, mas também para o setor de Recursos Humanos. Em outras palavras, por que não Endomarketing?
Vale ressaltar que a identidade pode ser expressa de várias formas – crença, propósito, missão, visão, valores, princípios, manifesto, etc. –, batizada da maneira mais apropriada para cada cultura. Para tanto, deve ser revelada como resultado de um mergulho na biografia da organização, no seu estágio de desenvolvimento, nas forças e ambiguidades da sua cultura; numa reflexão construída com o apoio de perspectivas diversas sobre as competências, desafios e potenciais em relação ao seu ecossistema, de forma a iluminar sua “missão social”. Faz sentido? Qual é o sentido de trabalhar aqui? Ou, ainda, faz sentido fazer o que se faz e como se faz?
Para entender o sentido do trabalho é preciso levar em conta que as relações e a organização do trabalho só podem ser percebidas, mantidas ou transformadas a partir da subjetividade do trabalhador. Se as empresas e suas configurações estão em constante mudança, o trabalhador ligado a elas se vê forçado a se adaptar para sobreviver alterando seus sentimentos e expressões sobre suas relações com a organização e com o seu trabalho.
Segundo o sociólogo e historiador norte-americano Richard Sennett, uma das marcas mais profundas deixadas pelo ambiente organizacional na contemporaneidade é “a corrosão do caráter”, caracterizada por uma profunda ansiedade que afeta os comportamentos, as tomadas de decisões e os projetos de vida na sociedade ocidental. Ao adotar o conceito de flexibilidade, cuja ênfase muda os significados do conceito de trabalho, as organizações projetam atividades que passam a ter como objetivo as metas de curto prazo e a execução rápida de projetos, impedindo que os indivíduos fiquem raízes no trabalho e se doem com lealdade; uma vez que a expectativa de retribuição em relação à organização é cada vez mais escassa.
Para ele, esse contexto faz com que os trabalhadores não construam as suas experiências profissionais em sintonia com seus objetivos pessoais, porque o foco é a mudança, e por isso todos os indivíduos devem, a priori, assumir riscos e estar em estado constante de “teste” e de vulnerabilidade. Assim sendo, não existe mais a possibilidade de construção de carreiras, uma vez que os empregos estão sendo substituídos por projetos e campos de trabalho, e nem mesmo os relacionamentos afetivos escapam da confusão de valores.
Prestar atenção no ambiente corporativo e ao seu redor nunca foi tão importante. Mas não mais do que olhar para dentro. Para si. Existe uma grande relação entre o trabalho e a felicidade. Já dizia sabiamente o filósofo Howard Thurman: “Não pergunte o que o mundo precisa. Pergunte o que lhe faz sentir vivo, e então vá fazê-lo. Porque o que o mundo precisa é de pessoas que se sintam vivas”.
É preciso esclarecer em tempo também que o engajamento não depende só da empresa e da liderança. Características de personalidade como otimismo, automotivação, autoestima elevada, sentido de pertencer e influenciar colegas, ser alguém que está de bem com a vida e que se entusiasma com as buscas e conquistas também fazem muita diferença na construção de um time que tenha alto grau de engajamento.
Infelizmente, nem todo mundo tem esse espírito e as pessoas sem paixão estão inseridas em todos os universo: nas famílias, nas rodas de amigos e também nas empresas. São os chamados “desengajados”. Eles são quase sempre negativos em relação ao futuro, têm uma baixa conexão emocional com a empresa, não arriscam novas atitudes, não gostam de mudanças. Mesmo assim, boa parte desses profissionais é produtiva e pode assumir novo comportamento, com uma reversão positiva deste quadro.
Sentimento de pertencimento no trabalho, pertencer a um meio e se sentir inserido em um grupo social são necessidades inerentes do ser humano. O sentimento de pertencimento no trabalho faz com que os colaboradores estejam mais integrados a uma empresa, às suas atividades e aos seus resultados. Então, a frase correta é: Lidera quem tem influência e engaja quem tem propósito!
Pra que reter? Se a pessoa quando está engajada, não quer apernas permanecer, mas faz questão de estar, ser pertencer. Esta felicidade ilumina vários aspectos positivos, influenciando de maneira "iluminada", as nuances de…
O que mais lhe faz feliz no ambiente de trabalho? Essa pergunta foi feita para 23 mil pessoas em 45 países pelo Institute Globoforce Work Human. E sabe qual a resposta número 1? Sentir-se parte de um time, grupo ou organização. Isso é o que a pesquisa afirma: sentir-se parte é o que mais gera felicidade entre os profissionais. Estamos falando, em outras palavras, do sentimento de pertencimento. Pertencer apresenta dois significados no dicionário: “ser propriedade de” (no sentido permanente), e “fazer parte de” (no sentido temporário). Ou seja, quando alguém trabalha em uma empresa, seja empresário ou executivo, não se torna propriedade dela, mas pode pertencer a ela no sentido de “fazer parte”.
Em uma empresa que tem estabelecida sua definição de propósito, bem como o direcionamento de sua identidade organizacional existirá aderência de quem está e atração de quem gostaria de vir. Resultado: Maior quantidade de candidatos pretendentes, muito menor rotatividade e absenteísmo. Parece lógico e óbvio, né? Pois bem, muita empresa fala mas não faz. E esse sentimento de pertencer libera uma sensação positiva, uma energia maravilhosa.
Pertencimento é uma necessidade humana confirmada por tantos estudos e teorias. Todos nós temos o desejo de fazer parte, de sermos úteis, de cumprirmos o nosso papel e deixarmos nossa contribuição. Não transfira para outras pessoas a responsabilidade de lhe inserir no mundo. Pertencimento é uma trajetória individual e intransferível que requer humildade, iniciativa, esforço e conquista diária. O meio interfere, de fato pode ajudar ou dificultar o sentimento de pertencimento, mas não define. Para fazer parte é preciso fazer a sua parte, que por sinal, é quase todo o processo. Pertencimento é o movimento contínuo de se inspirar, inserir-se, integrar e interferir… hoje, por toda a vida e para sempre!
Quando nos sentimos pertencentes a um lugar e ao mesmo tempo sentimos que o lugar nos pertence, acreditamos que podemos interferir nas rotinas e rumos desse tal lugar. Cabe à empresa manter vivo e pleno seus propósitos e cultura (leia-se missão, visão e valores) E principalmente, segui-los. De nada adianta ter uma placa da ISO “pra auditor ver” se aquilo não é realidade. Por outro lado, os colaboradores (e candidatos) devem observar quais são seus propósitos e o que querem deixar de legado (pergunta que veio à tona em época de pandemia).
Essa compatibilidade (valores pessoais x valores organizacionais/culturais) deve ser muito próxima. Para isso, o recrutamento e seleção (aos novos) e as avaliações de performance, entrega e competências (aos que estão) deve ser muito bem feito. Essas situações favoráveis geram um ambiente com a chamada Cultura de Segurança psicológica ou, cultura do Não Silêncio. Ambientes saudáveis, francos, justos e respeitosos.
Os profissionais não se “adequam” a esse novo normal, que nos chama cada vez mais a identificarmos nosso Ikigai; a chance de terem suas carreiras com “data de validade” menor é muito grande. Principalmente, se desalinhados a identidade daquela organização. Por fim, o protagonismo como agente de mudança e posturas "do bem" servirá como uma onda (tal como uma pedrinha jogada em um lago…). Esse protagonismo, inclusive, de eliminar "desculpas", pois é o primeiro argumento de quem não acredita em si próprio.
E o que aprendemos neste “novo normal”?
O valor criado por uma empresa deverá ser apurado não só pelo lucro a curto prazo ou pela folha salarial, mas também por sua capacidade de sustentar as condições que lhe permitam vicejar ao longo do tempo, onde produzam mais do que mero retorno financeiro: também erguem instituições duradouras.
Em vez buscar apenas processos organizacionais como um meio de extrair mais valor econômico, desenvolver modelos que empregam valores da sociedade e valores humanos como critérios de decisão. A sociedade e o indivíduo estão no seu propósito e não são algo secundário ou um insumo a ser usado e descartado. Diferentemente da responsabilidade social corporativa, que é frequentemente executada por meio de um programa secundário ou mesmo de aparências, um adendo aos negócios principais da empresa, a Justiça Socioambiental Corporativa exige uma profunda integração com todos os aspectos do funcionamento da empresa.
Observo muito o discurso de alguém quando fala da organização em que trabalha. Quando comenta “a minha empresa, o produto da minha empresa” ao invés de falar “a empresa onde trabalho ou o produto da empresa em que trabalho”. O que é meu, me pertence. Primeira pessoa: eu me cuido.
Se todo emprego é digno e todo trabalho dignifica o homem, por que algumas empresas têm elevadas taxas de rotatividade/turnover e absenteísmo/faltas? Basta olhar na segunda-feira ou véspera de feriado as faltas e os atestados e o número de vagas abertas que não são fechadas ou levam tempo para concluir o processo.
*Mauricio Chiesa Carvalho é gerente de RH e Responsabilidade Social da Tamarana Tecnologia e membro e conselheiro da Academia Europeia da Alta Gestão
Foto de abertura: João Vanzo