
07/08/2025 - 17h10
O papel estratégico do RH na retenção de talentos em tempos digitais
Com intencionalidade e consistência, o básico bem feito tem gerado os melhores resultados, diz especialista
Por Rafaela Lucena*
Reter talentos sempre foi um desafio para as organizações. Mas na era digital, esse desafio ganhou novas camadas. A tecnologia transformou a forma como vivemos, consumimos e trabalhamos. Ela trouxe velocidade, acesso à informação, automação e novos modelos de jornada. No entanto, também aumentou a complexidade da relação entre empresas e pessoas, principalmente quando falamos sobre engajamento e permanência.
Hoje, não basta oferecer salário competitivo ou benefícios atrativos. Os profissionais querem clareza de propósito, oportunidades reais de desenvolvimento e uma cultura com a qual possam se identificar. Um levantamento recente da Work Institute (2025 Retention Report) aponta que 63% das saídas voluntárias nas empresas foram evitáveis, em sua maioria ligadas à falta de desenvolvimento, falhas na liderança e ausência de equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Isso reforça que reter talentos exige muito mais do que incentivos financeiros, envolve cuidado, escuta e coerência com o que se propõe enquanto cultura.
Com a aceleração digital, o que é considerado inovador pode se tornar obsoleto em questão de semanas. Isso exige que as empresas se adaptem constantemente, mas, acima de tudo, que comuniquem bem essas mudanças e envolvam as pessoas no processo. Quando os colaboradores entendem o "porquê" das transformações e se sentem parte da jornada, o engajamento cresce e a resistência diminui.
Com os modelos híbridos e remotos, manter vínculos humanos e reforçar os valores da empresa tornou-se essencial. A cultura organizacional precisa ir além do espaço físico. Ela deve ser vivida nas decisões do dia a dia, nas interações com a liderança e nos pequenos rituais que constroem identidade e pertencimento. Em um ambiente mais digital, o RH precisa estar ainda mais próximo e estratégico, garantindo que a cultura não apenas sobreviva, mas se fortaleça a distância.
Nesse cenário, algumas práticas fazem toda a diferença:
Comunicação transparente e frequente, que informa e aproxima.
Reconhecimento contínuo, que celebra conquistas e motiva.
Escuta ativa, com canais reais para feedback e diálogo.
Desenvolvimento personalizado, com oportunidades alinhadas às expectativas individuais.
Rituais adaptados ao digital, como cafés virtuais, eventos internos e boas-vindas online.
A tecnologia também tem papel central nesse novo RH. Quando usada com intenção, ela deixa de ser apenas uma ferramenta operacional e passa a ser aliada estratégica na gestão de pessoas. Um estudo divulgado pelo The Guardian, em junho de 2025, mostra que ferramentas digitais confiáveis e bem integradas aumentam a moral, a produtividade e a retenção, especialmente em ambientes híbridos. Segundo o levantamento, tecnologias que funcionam bem tornam-se quase "invisíveis" no dia a dia, fortalecendo a conexão entre equipes e promovendo fluidez no trabalho remoto.
Com soluções que envolve People Analytics, é possível identificar padrões de comportamento, prever riscos de desligamento e entender o que realmente importa para cada colaborador. Plataformas de engajamento e feedback contínuo ajudam a manter a conexão entre líderes e equipes, mesmo à distância, promovendo uma cultura de proximidade e escuta.
Outro ponto que mudou radicalmente foram as expectativas em relação ao desenvolvimento de carreira. Os profissionais querem ter voz ativa sobre o que aprender, como aprender e de que forma isso se conecta com seus propósitos pessoais e profissionais. Treinamentos genéricos ou pontuais não são mais suficientes. O aprendizado precisa ser contínuo, ágil e conectado com a realidade. E o protagonismo passou a ser parte essencial desse processo: a empresa oferece estrutura e estímulo, mas cabe ao colaborador assumir sua jornada de evolução.
Tenho observado, na prática, que investir no "básico bem feito", com intencionalidade e consistência, tem gerado os melhores resultados em retenção. Isso passa por formar lideranças que escutam e reconhecem, estruturar trilhas de desenvolvimento alinhadas ao propósito da organização e posicionar as pessoas certas nos lugares certos, com clareza de expectativas. Pode parecer simples, mas não é. E justamente por isso, quando bem executado, torna-se um diferencial competitivo real.
Mais do que adotar soluções tecnológicas ou modismos de gestão, reter talentos hoje exige presença, coerência e humanidade. Em um mundo onde tudo muda o tempo todo, quem cuida bem das pessoas constrói vínculos que resistem até às propostas mais tentadoras. E isso começa com um RH que atua de forma verdadeiramente estratégica.
*Rafaela Lucena é sócia da área de Soluções em RH da Bernhoeft
Foto: Divulgação/Bernhoeft