25/06/2020 - 18h19
RHs pós-pandemia: 2 anos em 2 meses. O que a pandemia deixará de legado nas empresas e RHs?
Confira o artigo exclusivo de Paula Gianetti, executiva de RH da Travelex Confidence, para a Gestão RH
Por Paula Gianetti*
Há dois anos lidero a área RH da Travelex Confidence, uma empresa que anda lado a lado da tecnologia, com loja online, sistemas avançados de dados, aplicativos, APIs, inserida num amplo ecossistema entre estruturas complexas de bancos regulados e fintechs. Apesar disso, quando, em 16 de março, nosso trabalho passou a ser feito 100% remotamente, muitos questionamentos surgiram. O home office não era uma prática por aqui. O planejamento se mostra essencial, mas naquele momento não tínhamos tempo de planejar, o nosso plano já passou a ser a execução.
Muito maior do que a prática do home office, tivemos que fazer a gestão de uma crise enquanto ela ganhava força no país e, claro, no mercado. É como aquele velho ditado: precisamos trocar a roda com o carro andando. Nos vimos em um momento em que era necessário implementar o essencial para a sustentabilidade da empresa. Ao mesmo tempo, aquela pressão para o acerto se dissipou em partes, o período era de acerto e erro. Sempre presente o aprendizado, claro.
A necessidade imposta pela pandemia fez com que as pessoas começassem a entender a real funcionalidade das ferramentas que tínhamos implementado recentemente. Nosso Workplace não era uma simples intranet, como a que usávamos antes, mas sim a mesa de trabalho online de cada um. Fizemos uso da crise para alavancar os nossos processos.
A adoção da tecnologia no cotidiano da empresa é um processo de mudança cultural e nós sabemos que mudanças culturais são lentas e desafiadoras, sobretudo em Recursos Humanos, onde se tem uma pré-concepção de que a maioria das tarefas não pode ser feita de outra forma que não olho no olho. Em dois meses, alcançamos a transformação digital do RH. Uma transição que planejávamos concluir em dois anos.
Em uma pesquisa realizada pela Digital House com 16 profissionais de RH de grandes empresas e alunos da instituição, percebemos que dentro de Recursos Humanos, o processo mais digitalizado é o de recrutamento. Outras áreas, como a de treinamento, desenvolvimento e até mesmo demissões, enfrentam obstáculos maiores, segundo os profissionais. A preocupação está em como fazer esses procedimentos sem perder a sensibilidade do lado humano, tão importante no RH.
Curioso é que a minha percepção está sendo totalmente oposta. Sinto que, quando estamos distantes, sentimos que precisamos dar mais atenção àqueles que estão participando da reunião ou de um treinamento. Poxa, já não temos o contato pessoal, não é mesmo? Vejo que as pessoas se dedicam completamente ao outro, tornando o processo mais humanizado.
A pandemia também trouxe naturalmente um conjunto de medos, desde contrair a doença, à preocupação com a família e a incerteza do futuro pessoal e profissional. Outro desafio como RH foi entender como engajar e desenvolver as pessoas nesse ambiente.
Com 400 colaboradores fora das lojas físicas, fechadas durante a fase mais restrita do isolamento, conseguimos pensar em reinvenções. Com a adoção do Programa de Desenvolvimento Task Force 400, dividimos todos esses colaboradores em 16 squads, que cumpririam uma série de tarefas e buscariam soluções criativas para gerar uma experiência ainda melhor para o nosso cliente, além de, claro, contribuir para a sustentabilidade da empresa.
A experiência nos presenteou com uma pluralidade de talentos escondidos por trás de job descriptions nunca explorados. Conseguimos mudar a visão do nosso funcionário. Ele não seria mais uma mão de obra, que desenvolve uma atividade rotineira; ele passou a ser um capital intelectual, no qual pudemos contar com a criatividade, visão diferenciada e conhecimentos diversos. Um ambiente remoto, mas conectado, que identifica talentos e constrói planos de desenvolvimento mais assertivos.
Significa que a tendência é termos home office para sempre? Os processos devem permanecer digitais? Nada será como antes? Acredito que ainda teremos que encontrar um equilíbrio entre o presencial e o virtual. Das conversas de corredor e do cafezinho também saem boas ideias, não podemos perder isso.
O maior aprendizado que a tecnologia nos trouxe foi o de enxergar que quando damos mais autonomia e ferramentas apropriadas para as pessoas, o poder de transformação pode ser muito maior.
*Paula Gianetti é diretora executiva de RH do Grupo Travelex Confidence e professora no MBA de Recursos Humanos da FGV-SP. Também ministra aulas de Digital Mindset na Digital House
Foto de abertura: Felipe Perazza