
31/07/2025 - 10h52
O RH como elo entre os colaboradores e os canais de denúncia
Para fortalecer o compliance, é preciso preparo técnico e apoio tecnológico, diz especialista
Por Marcelo Erthal*
Nos últimos anos, o setor de Recursos Humanos tem ocupado um espaço nas empresas que ultrapassa sua função tradicional. Embora não tenha sido originalmente desenhado para esse fim, o RH se tornou um dos responsáveis pela apuração de relatos recebidos nos canais de denúncias, ao lado das áreas de Compliance, Jurídico e Auditoria Interna.
Esse cenário é revelado na pesquisa Perfil do Hotline no Brasil 2024, produzida anualmente pela KPMG, que mostra o RH entre as áreas mais citadas na linha de frente da investigação de casos relacionados a fraude, corrupção, desvios de conduta e assédio.
Historicamente, o RH é o departamento mais próximo dos colaboradores, sendo o primeiro ponto de escuta para aqueles que enfrentam situações delicadas no ambiente de trabalho. A confiança construída ao longo do tempo, por meio do acolhimento, do cuidado com o clima da organização e da proximidade com as pessoas, faz com que, muitas vezes, a área seja procurada antes mesmo dos canais formais de denúncia.
O problema acontece quando essa relação extrapola os limites institucionais e transforma o setor em uma espécie de ouvidoria informal, sem preparo técnico, respaldo jurídico ou ferramentas adequadas para lidar com relatos sensíveis.
Segundo a mesma pesquisa da KPMG, a falta de preparo é uma realidade nas empresas: 35% afirmam que o último treinamento acerca de técnicas de investigação para os responsáveis por apurar as denúncias foi realizado há mais de um ano, enquanto 7% nunca ofereceram esse tipo de capacitação.
Dessa forma, os riscos se multiplicam, tanto para os profissionais do setor, quanto para pessoas que estão buscando ajuda. Muito disso se deve à perda do sigilo, seja pela condução inadequada do caso ou pela ausência de processos claros de apuração.
RH deve ser um elo entre funcionários e canais formais
Em muitas empresas, especialmente de pequeno e médio porte, o RH acumula a responsabilidade pelo compliance. Essa sobreposição exige que o setor vá além da gestão de pessoas e passe a atuar estrategicamente na promoção da integridade organizacional. Ele deve agir como um “guardião” da cultura ética, com escuta ativa, sensibilidade para identificar riscos e habilidade para conduzir os relatos com responsabilidade. Ao mesmo tempo, é importante que reconheça que não deve assumir sozinho funções como apuração de denúncias ou condução de investigações.
O ideal é que o RH seja um elo entre os colaboradores e os canais formais de escuta, apoiando a construção de uma relação de confiança e direcionando os casos para os fluxos corretos, com o suporte da tecnologia e de uma governança bem estruturada. Com esse equilíbrio, o setor fortalece também o compliance e contribui diretamente para um ambiente mais seguro, transparente e ético.
Canais inteligentes revelam padrões e transformam relatos em ações preventivas
O canal de denúncias não deve ser visto, exclusivamente, como uma obrigação jurídica, e sim como uma ferramenta de apoio à gestão de pessoas. Quando integrado a soluções de Inteligência Artificial (IA), permite identificar padrões e contextos que, muitas vezes, passam despercebidos numa análise manual, como áreas com maior incidência de conflitos, recorrência de assédio ou falhas de liderança.
Além disso, é possível automatizar etapas como triagem, categorização e encaminhamento dos relatos, o que alivia a carga emocional e operacional da equipe responsável e permite que ela atue com foco nos casos mais críticos e com maior capacidade de resposta.
As informações geradas também servem de insumo para ações voltadas ao clima organizacional, à cultura da empresa e ao desenvolvimento de equipes. Assim, o compliance e o RH conseguem atuar de forma preventiva, identificando sinais de desgaste organizacional, lideranças tóxicas ou problemas sistêmicos.
Não é só sobre receber denúncias, mas sobre entender o que está acontecendo com as pessoas e atuar de maneira estratégica. Para se ter uma noção do potencial deste sistema, a pesquisa da KPMG revela que 22% das empresas conseguiram identificar fraudes ainda na fase inicial graças aos canais de denúncia.
Quando as lideranças passam a enxergar esse canal como um termômetro da cultura organizacional, tudo muda: o compliance deixa de ser reativo e passa a ser preventivo e propositivo. Por isso, a denúncia deve ser encarada como um presente. Um colaborador que fala está oferecendo à empresa a chance de se corrigir antes que um problema vire crise.
*Marcelo Erthal é CEO da ClickCompliance e professor da cadeira de Tecnologia Aplicada ao Compliance do Ibmec-RJ
Foto: Divulgação/ClickCompliance