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Recrutamento & Seleção

29/11/2022 - 11h49

Como criar um processo seletivo mais diverso e inclusivo?

É preciso sair do piloto automático e reconhecer os vieses de exclusão, diz Rafael Pinheiro, da Companhia de Estágios

 

 

 

Por Rafael Pinheiro*

 

Toda hora é hora de pensar em ações afirmativas de inclusão racial em nossa sociedade e empresas. Na pandemia, pretos e pardos representaram a maior parcela da população desempregada e a que teve os menores rendimentos mensais, segundo dados do IBGE.

 

A inclusão racial é tema deste meu artigo, mas, sinceramente, gostaria de fugir da pura retórica. A essa altura, além de discutir a importância de constituir times diversos nas empresas, é preciso pensar em formas de mudar a realidade e colocá-las em prática.

 

Diante da desigualdade racial, as ações afirmativas são instrumentos importantes para oferecer oportunidades aos grupos discriminados. Se você ainda não sabe como trabalhar diversidade e inclusão na sua empresa, saiba que abrir vagas específicas em programas de entrada como aprendiz, estágio e trainee pode ser um caminho interessante para iniciar esse movimento. Desenvolver programas específicos auxilia na preparação técnica dos profissionais para que possam assumir funções estratégicas a curto e médio prazo.

 

Durante esse período, a empresa poderá desenvolver um amplo programa de desenvolvimento com treinamentos técnicos e comportamentais capazes de auxiliar os profissionais a atingirem seus objetivos.

 

No papel de gestores e profissionais de RH, está em nossas mãos realizar essa transformação de dentro para fora. Se eu fosse você, começaria com a pergunta simples e direta: "o que eu não estou fazendo e posso mudar?"

 

Dito isso, vamos juntos olhar as três etapas do processo de recrutamento e seleção e identificar onde estão as armadilhas que levam a contratações excludentes?

 

Primeira etapa: Triagem ou ranking do perfil

Quando analisamos o candidato pelo currículo, somos naturalmente doutrinados a uma avaliação técnica e, principalmente, confrontamos e validamos o que está escrito naquele documento. Sai na frente aquele currículo que demonstra mais capacidade técnica como experiências, cursos, idiomas, instituição de ensino e assim por diante.

 

A armadilha: nesse momento, sem perceber, você provavelmente estará excluindo das próximas etapas mais de 50% de candidatos pretos e pardos. A proporção de pessoas pobres no Brasil era praticamente o dobro entre os pretos e pardos comparada aos brancos (IBGE - 2021). Vale lembrar, então, que ser de classe social mais baixa não representa falta de competências, mas pode significar um acesso menor à educação e outras formas de absorver conhecimento.

 

A dica: analisar aspectos comportamentais. Eleger pelo menos cinco competências dentro de um ranking de prioridades é uma forma de colocar todos os candidatos em pé de igualdade. O processo oculto, em que o gestor e o RH não têm acesso ao currículo do candidato, complementa a estratégia.

 

Segunda etapa: Entrevistas com recrutadores

Durante a pandemia, as entrevistas foram realizadas em sua maioria de forma virtual. Passado o isolamento social, porém, muitas empresas retomaram a prática da entrevista presencial.

 

A armadilha: realizar somente entrevistas presenciais pode gerar obstáculos, porque cada candidato vive uma realidade diferente. É necessário entender que a trajetória de um perfil do candidato branco é diferente do negro. Pode ocorrer, por exemplo, de um candidato não ter recursos financeiros para arcar com despesas de deslocamento.

 

A dica: aplicar entrevistas em formatos que facilitem a participação dos candidatos no processo de seleção. A entrevista virtual tende a ser mais inclusiva porque permite analisar o candidato por suas competências, potencial de entregas de resultados, desenvolvimento, expectativas de carreira e futuro. Além disso, viabiliza a participação de candidatos de todas as regiões do Brasil para vagas híbridas, o que facilita atrair talentos mais diversos.

 

Terceira etapa: Entrevista com a liderança

Na teoria, os gestores sabem que equipes com diversidade trazem vários pontos de vista, experiências e culturas se somam e, juntas, tecem uma trama rica. Mas isso não é suficiente para não caírem em armadilhas sutis.

 

A armadilha: na maioria das vezes, nem nos damos conta de que, na verdade, estamos sendo guiados por uma série de estereótipos sociais. Nessa situação, sem perceber, processos neurais e cognitivos tiram conclusões por você e o racismo estrutural é reforçado.

 

A dica: gestores ou líderes devem ser preparados para realizar entrevistas e decidir a contratação independentemente de raça e origem social. É importante, portanto, investir em palestras, treinamentos e outras ações para tornar os ambientes corporativos mais diversos e inclusivos. Contratar consultorias especializadas em trabalhar com foco na eliminação dos vieses inconscientes pode ser uma iniciativa importante e saudável, não apenas para a liderança, mas para todos os colaboradores.

 

Outra dica valiosa é utilizar softwares e consultorias que tenham ferramentas como recursos de inteligência artificial e testes comportamentais e, além disso, profissionais capacitados para processos seletivos afirmativos. Juntos, ambos contribuem para uma análise direcionada às competências comportamentais, possibilitando que a empresa enxergue de forma rápida e eficiente candidatos mais aderentes à cultura e com o potencial para a vaga em questão.

 

Por fim, para que sua empresa possa conduzir um processo de recrutamento e seleção isento de vieses inconscientes, sugiro colocar em prática ao menos alguns desses itens. Por outro lado, talvez seja interessante refletir porque nos sentimos mais confortáveis ao estar cercado de pessoas com as quais nos identificamos culturalmente. É fundamental sair do piloto automático e questionar cada uma de nossas atitudes e ações. Essa reflexão é o primeiro passo para mudar.

 

*Rafael Pinheiro é diretor comercial da Companhia de Estágios. Atua com foco em programas de recrutamento e seleção e na administração de contratos de estagiários, trainees e jovens aprendizes

 

Foto: Germano Luders