
30/09/2025 - 12h01
Desconstruindo a entrevista de desligamento: o último ato de uma gestão tardia
Ouvir o colaborador na despedida tem pouca efetividade, diz executivo de RH da Tamarana
Por Mauricio Chiesa Carvalho*
A entrevista de desligamento, por longos anos, foi tratada como o ritual de despedida ou um rito de passagem no universo da gestão de pessoas. Um instante quase terapêutico, em que o colaborador — já sem o peso do vínculo e livre da obrigação de permanecer — encontrava espaço para expressar verdades guardadas em silêncio. Muitas empresas transformaram esse processo em relatórios gerenciais e indicadores, acreditando que dali sairiam respostas para suas falhas mais profundas frente as respostas "mais sinceras e transformadoras".
Mas a pergunta é inevitável: que tipo de gestão espera o final da jornada para ouvir a verdade?
Se olharmos para o cenário atual, a entrevista de desligamento se revela menos como instrumento estratégico e mais como certidão de óbito da relação de trabalho. Um documento burocrático que atesta o que já morreu, quando já não há mais o que fazer para mudar o curso da história.
O obsoleto travestido de moderno, onde, no passado, quando medir clima era caro, demorado e restrito a consultorias especializadas, fazia sentido colher impressões no momento da saída. Hoje, no entanto, as organizações dispõem de uma infinidade de recursos de escuta contínua: pulse surveys, plataformas de feedback em tempo real, analytics de engajamento, ferramentas de people analytics e até inteligência artificial para mapear sentimentos em interações cotidianas. Continuar a depender da entrevista de desligamento como principal fonte de insights é como usar um telégrafo em plena era do 5G.
Então, o meio importa mais que o fim? Sim! A essência da crítica é clara: a entrevista de desligamento olha para o fim da história, quando o que realmente importa é o que acontece no meio da jornada. Durante o tempo em que um colaborador permanece na empresa, existem inúmeras oportunidades de diálogo:
► Reuniões de alinhamento que podem ser espaços de escuta.
► Conversas de carreira que podem revelar insatisfações e aspirações.
► Pesquisas rápidas que podem detectar padrões emergentes.
► Rituais de reconhecimento que podem fortalecer vínculos.
Quando a organização ignora essas oportunidades, acaba depositando na entrevista de desligamento uma responsabilidade que ela não pode cumprir: a de corrigir o que já não tem conserto.
O risco da informação contaminada, pois assim, tem-se um outro ponto crítico: as respostas colhidas na entrevista de desligamento são frequentemente contaminadas pelo contexto emocional. Alguns colaboradores saem magoados e exageram críticas; outros, preocupados em manter portas abertas, oferecem respostas polidas e pouco sinceras.
O resultado é uma base de dados enviesada, que pode levar a conclusões equivocadas. Pior: pode dar à liderança a sensação de que “está ouvindo” quando, na verdade, está apenas recolhendo ecos distorcidos de uma relação encerrada.
E com a questão dos riscos psicossociais, eis a nova lógica: escuta contínua e corajosa. O mundo do trabalho contemporâneo pede um modelo diferente: ouvir sempre, antes, durante, de forma preventiva e honesta. Vejamos:
Pulse surveys: o termômetro constante
As pesquisas rápidas e frequentes — pulse surveys — permitem medir semanalmente ou quinzenalmente aspectos como humor, engajamento, sobrecarga e até percepção de justiça.
► A Microsoft utiliza check-ins semanais para capturar o pulso das equipes.
► A Adobe implementou o sistema “Check-In”, substituindo avaliações anuais por diálogos contínuos, aumentando a retenção de talentos.
Conversas de permanência: o futuro antecipado
Em vez de perguntar “por que você saiu?”, as stay interviews perguntam:
“O que mantém você aqui?”
“O que te faria considerar sair?”
“O que podemos mudar já, para melhorar sua experiência?”
Exemplo: a Google institucionalizou conversas desse tipo como parte de sua estratégia de retenção, conseguindo reduzir taxas de turnover em áreas críticas.
Segurança psicológica: falar sem medo
Amy Edmondson, da Harvard Business School, demonstrou em seus estudos que equipes com alta segurança psicológica cometem menos erros graves, porque seus membros se sentem livres para falar sobre problemas antes que eles explodam.
A ISO 45003, lançada pela ISO em 2021, reforça essa ideia ao exigir que empresas tratem riscos psicossociais com o mesmo rigor que riscos físicos. Isso significa que a escuta contínua não é apenas um diferencial competitivo; é uma obrigação ética e de saúde.
O Employee Net Promoter Score (eNPS) mede a probabilidade de um colaborador recomendar a empresa como lugar para trabalhar. Empresas com alto eNPS tendem a figurar em rankings de “Melhores Lugares para Trabalhar”.
Um exemplo é a Salesforce, que monitora seu eNPS trimestralmente e cria planos de ação imediatos quando áreas apresentam quedas significativas.
E caímos num paradoxo: O Pertencimento, a métrica invisível? Nenhum questionário substitui a percepção diária de pertencimento. Esse sentimento é construído quando colaboradores percebem que:
► Suas vozes importam.
► Suas contribuições são reconhecidas.
► Seus valores encontram eco nos valores organizacionais.
Algumas empresas, por exemplo, reforçam pertencimento por meio de rituais de cultura que valorizam tanto resultados quanto propósito.
A FALSA MODERNIDADE DA ENTREVISTA DE DESLIGAMENTO
Alguns defensores da prática argumentam que ela ainda é útil para estatísticas. É verdade — mas apenas para confirmar padrões já conhecidos. Se a maioria sai por falta de crescimento, não é a entrevista de desligamento que revelará esse diagnóstico, mas sim a ausência de planos de carreira estruturados.
A entrevista de desligamento, nesse sentido, tornou-se uma ferramenta de conforto, não de transformação. Dá a sensação de que algo está sendo feito, quando, na realidade, a ação já é inútil. Eis alguns exemplos de empresas que reinventaram a escuta:
► Netflix: aboliu a prática tradicional e substituiu por conversas frequentes sobre desenvolvimento, reconhecendo que feedback tardio não muda destinos.
► Nubank: utiliza plataformas de escuta em tempo real e fóruns internos onde colaboradores podem expor preocupações sem esperar o fim do vínculo.
► Patagonia: construiu uma cultura em que o pertencimento é tão forte que a rotatividade voluntária é inferior a 4% ao ano — índice invejável em qualquer setor.
Da obsolescência à reinvenção? A desconstrução da entrevista de desligamento não significa negar seu valor histórico. Ela foi importante em uma era de escassez de ferramentas. Mas hoje, insistir em seu uso central é perpetuar uma gestão reativa, atrasada e insuficiente.
O mundo pede uma nova postura: gestores que atuem como clínicos presentes, não como legistas. Que olhem para a saúde do vínculo em tempo real, não para o cadáver organizacional depois da ruptura.
É necessário um novo pacto de escuta. A pergunta que fica não é: “Por que você saiu?” — essa é a pergunta do passado. As perguntas do futuro são:
“O que te faz querer ficar?”
“O que posso fazer agora, enquanto você está aqui, para fortalecer seu orgulho em trabalhar conosco?”
Porque no fundo, pertencimento não se mede no adeus, mas no durante. Ele é cultivado em cada reunião, em cada feedback, em cada espaço de confiança.
Outro fator: dependendo do cenário e contexto, a pessoa vai responder por responder para se ver livre daquele sofrimento, obrigação ou momento.
A gestão do futuro será lembrada não pelo que anotou nas entrevistas de desligamento, mas pelo que construiu em tempo real, transformando dados em cultura, cultura em confiança e confiança em resultados.
*Maurício Chiesa Carvalho é head de RH, Relações Jurídicas e Responsabilidade Social da Tamarana Tecnologia e Soluções Ambientais
Foto: Divulgação/Tamarana