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12/03/2024 - 09h52

Você está no mudo?

Uma analogia de Marcelo Madarász sobre a omissão diante da violência e o modo Mudo do Zoom

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

De uma hora para outra, nos vimos obrigados a encontrar outros caminhos para continuarmos a fazer aquilo que já fazia parte da nossa rotina. Em 11 de março de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) caracterizou a covid-19 como uma pandemia, lembrando que o conceito se refere mais à distribuição geográfica que à gravidade. O fato é que vários países e regiões do mundo tiveram que se reinventar em uma série de coisas.

 

No ambiente organizacional, as reuniões tiveram que encontrar outras maneiras de realização e as plataformas como o Zoom ganham um destaque fenomenal. Começamos a trabalhar na modalidade remota e de uma hora para outra, tivemos que aprender a lidar e a fazer a gestão dos times por meio dessas plataformas. Todos os que conhecem essa realidade já ouviram certamente mais de uma vez, para si próprio ou para outros: você está no mudo! A frase virou inclusive tema de memes e muitas vezes foi retratada com nosso habitual bom humor. Bendito o bom humor que nos traz alguma leveza principalmente em situações tão estressantes e desafiadoras.

 

Estresse e desafios continuam fazendo parte fundamental e basal do nosso dia a dia e muitos que agora se encontram obrigados a voltar ao trabalho presencial já estão com saudades dos dias pelo Zoom e, pior, agora precisamos nos adaptar à gestão híbrida – muitos estão fisicamente presentes, outros, por motivos vários, continuam exercendo seus ofícios por meio das plataformas e isso requer do líder novas formas de trabalho. Bem-vindos ao mundo dos humanos em 2024, que exige mais que resiliência (termo que está até caminhando para um desgaste), a plasticidade e a gestão da interação de pessoas, plataformas, IA, novas letras, novos conceitos, novas exigências.

 

Eu poderia escrever mais que páginas, um livro a respeito desse tema, mas gostaria de fazer outro recorte com uma pergunta: você está no mudo?

 

Quando nos referimos ao Zoom, muitas vezes, por falta de hábito, desconhecimento, distração, esquecimento, a pessoa começava a falar e ao ser interpelada com a agora famosa expressão, desativava o mudo e começava então a interagir. Há uma outra dimensão da mudez, sobre a qual gostaria de falar.

 

Mais que antes, os temas ligados à saúde mental (e a perda dela) ganham destaque no dia a dia das organizações. Isso me fez retomar um estudo feito sobre Sofrimento e Patologias no Trabalho na visão de Dejours [Christophe Dejours, especialista em medicina do trabalho e em psiquiatria e psicanálise] e outros autores.

 

Tomei contato com esse autor antes de 2000 e, em 2010, ele aprofundou o seu estudo, falando sobre o suicídio no trabalho. Trata-se de uma análise muito profunda, que vale a pena conhecer, na qual ele cita três elementos como agravantes desta incômoda situação: novos métodos de avaliação de desempenho, qualidade total e outsourcing.

 

Em sua análise, ele trata também do tema do assédio, em todas as suas formas, e do intenso sofrimento das vítimas, que era agravado pelo silêncio dos outros. Segundo ele, “não dizem nada, já perceberam há muito tempo como as coisas funcionam na empresa, há muito que desviaram o olhar”.

 

Ao presenciarmos o assédio e outras formas de violência e nos calarmos, nos tornamos cúmplices. O que toleramos, promovemos, como dizia o CEO da empresa para a qual trabalho. Nossa obrigação moral e humana é zelar pelo ambiente para todos e de forma adequada, denunciarmos quando algo não está bem. Assim como na plataforma, é necessário desativar o mudo e falar, em alto e bom som, para que todos possam escutar, nas circunstâncias da vida em todas as suas esferas, é nosso dever, impedir algo que seja contra a moral, a ética, o correto, o adequado.

 

É por isso que o G do ESG ganha também relevância, bem como os canais de denúncia. É por isso que, ao contrário do que diz o dito popular “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”, temos a obrigação de fazermos as intervenções possíveis. É por isso que há canais de denúncia de violência contra as mulheres, os idosos e espera-se, por exemplo, que os vizinhos denunciem as situações abusivas.

 

De nada adianta termos celebrado o Dia das Mulheres, se nada se faz para salvaguardar sua vida, integridade e saúde. É preciso sair do mudo!

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH Latam da Parker Hannifin

 

 

Foto: Marcos Suguio