Redução de jornada: uma solução sedutora demais para problemas que são muito mais profundos?
*Maurício Chiesa Carvalho: países que hoje exibem jornadas menores e alto bem-estar não chegaram lá por decreto
Por Mauricio Chiesa Carvalho*
A aprovação da proposta que reduz a jornada semanal, elimina gradualmente a escala 6x1 e promete inaugurar uma “era de qualidade de vida” pode soar como o avanço civilizatório que o Brasil esperava. Mas, diante do romantismo que tomou conta do debate público, é preciso firmeza: não é o relógio que adoece as pessoas, é a má gestão do trabalho.
O país corre o risco de repetir um velho erro: acreditar que alterar a lei, por si só, corrige estruturas que dependem de liderança, produtividade, cultura organizacional e responsabilidade das empresas. A redução de jornada tem seu mérito histórico, mas torna-se paliativo quando aplicada sem enfrentar a raiz do problema: trabalhamos mal, lideramos mal, organizamos mal.
Os países que hoje exibem jornadas menores e alto bem-estar não chegaram lá por decreto. Chegaram por gestão séria, processos enxutos, liderança madura e investimento em produtividade por hora. Onde a semana de quatro dias funcionou, ela veio acompanhada de revisão radical de reuniões, eliminação de desperdícios, automação e metas claras. Onde tentaram apenas cortar horas, colheu-se o óbvio: correria, estresse e queda de desempenho.
O Brasil, infelizmente, ainda tem dificuldade de discutir isso sem paixões. É mais simples vender a ilusão de que “menos dias de trabalho” basta, quando a verdade incômoda é que grande parte das empresas opera com processos ultrapassados, lideranças despreparadas e uma cultura de urgências permanentes. Não há milagre possível quando se mantém o caos e apenas se empurra o ponteiro uma casa para a esquerda.
A extinção da escala 6x1 – sim, necessária em vários setores – não elimina o fato de que, sem reorganizar turnos, ampliar quadros e treinar lideranças, os mesmos trabalhadores continuarão sobrecarregados. Reduzir horas sem reorganizar tarefas é apenas trocar exaustão longa por exaustão comprimida.
E há ainda o debate econômico, que não pode ser tratado como tabu. Em setores essenciais, saúde, transporte, segurança, logística, o custo da transição pode gerar pressão inflacionária, perda de renda e aumento de riscos operacionais. Não reconhecer isso é desonestidade intelectual.
Qualidade de vida não nasce de uma canetada. Nasce de boa gestão. Nasce da capacidade de priorizar, de redesenhar rotinas, de distribuir carga de trabalho de forma justa e humana. Nasce de líderes formados, não improvisados; de cultura organizacional sólida, não ornamental; de métricas claras, não de expectativas soltas.
O debate público precisa amadurecer. Reduzir jornada pode ser um avanço? Sem dúvida. Mas tratá-la como solução universal para produtividade, felicidade e saúde é ingenuidade – ou conveniência política. O Brasil merece uma conversa adulta: se não mudarmos a forma de trabalhar, a redução de horas será apenas mais uma promessa bonita, porém vazia.
Quando o país começar a discutir menos o número de horas e mais a qualidade do trabalho, talvez, enfim, consiga entregar aquilo que todos desejam: um futuro em que viver não seja sinônimo de sobreviver ao expediente.
A promessa de mais tempo livre é sedutora e tem evidências de benefício, mas se transformarmos horas a menos em horas de “correria comprimida”, a legislação terá falhado em seu objetivo principal. Qualidade de vida exige, antes de tudo, bom design do trabalho, liderança capaz de priorizar o humano e políticas públicas que tornem a transição viável para todos os setores. Só assim a redução de jornada cumprirá sua vocação: não diminuir o relógio, mas elevar a dignidade do tempo humano.
*Maurício Chiesa Carvalho é head de RH, Relações Jurídicas e Responsabilidade Social da Tamarana Tecnologia e Soluções Ambientais
Foto: Divulgação/Tamarana








