A cultura do cuidado começa em casa (e dentro de mim)
A gestação tem me ensinado que cuidado não combina com pressa, diz CEO da Vittude
Por Tatiana Pimenta*
Nos últimos meses, tenho pensado muito sobre o que significa cuidar. Cuidar de uma empresa, de uma equipe, de uma estratégia e, agora, de uma vida. Estou grávida. E esse simples fato tem mudado profundamente a forma como enxergo a cultura do cuidado, dentro e fora do trabalho. Antes da gestação, eu falava sobre cultura organizacional com o olhar de uma CEO. Hoje, falo também com o olhar de quem erra, sente, se irrita, respira fundo e tenta de novo. De quem às vezes responde com pressa, percebe, volta e pede desculpas. E, talvez por isso, tenha se tornado uma líder melhor.
Falar de cuidado é fácil. Difícil é sustentar o cuidado quando o negócio aperta, quando o trimestre exige, quando o corpo pede pausa. Eu sempre fui intensa, acostumada a acelerar, decidir e resolver. Mas a gestação tem me ensinado que cuidado não combina com pressa. E que desacelerar não é parar, é escolher o que realmente importa.
Hoje, por exemplo, priorizo o tempo com o time. Faço questão de estar nos one-on-ones, de ouvir, de entender o que está por trás das entregas, das expressões, das pausas. Talvez a maternidade, com sua mistura de hormônios, vulnerabilidade e preparo, esteja me deixando mais sensível para enxergar o outro. E mais consciente de que cuidar das pessoas é, muitas vezes, sobre dar espaço.
Faltam pouco mais de cinco meses para minha licença-maternidade. E essa preparação tem sido um grande exercício de liderança. Delegar de verdade, não apenas tarefas, mas confiança. Construir autonomia e garantir que as pessoas saibam o que fazer mesmo sem a minha presença. Sempre acreditei que o papel do líder é tornar-se desnecessário no dia a dia, mas viver isso na prática é desafiador. Sair de cena exige humildade, e, ao mesmo tempo, é a maior prova de maturidade de um time. Tenho me dedicado a deixar tudo fluindo, a preparar a empresa para seguir crescendo, mesmo enquanto eu desacelero. E, de alguma forma, esse processo está me transformando.
O corpo é o primeiro a avisar quando algo não vai bem. E ele não manda e-mail. Ele dá sinais: cansaço, insônia, irritação, esquecimento, falta de ar. Antes da gestação, talvez eu ignorasse alguns desses alertas. Hoje, aprendi que eles são parte do meu sistema de gestão.
A NR-1, revisada em 2024, trouxe uma verdade que o mundo corporativo ainda resiste em aceitar: saúde mental e segurança psicológica não são "benefícios", são deveres. Riscos psicossociais precisam ser mapeados, geridos e acompanhados, porque o que adoece as pessoas adoece o negócio. Cuidar, no fundo, é prevenir. É olhar antes da crise, agir antes do colapso, escutar antes do afastamento.
Cultura também é corpo
Vejo empresas falarem de cultura com discursos grandiosos e manuais bem diagramados, mas cultura é o que acontece no dia a dia. É como as pessoas se tratam quando ninguém está olhando. É o tom das conversas, o respeito pelas pausas, o espaço para errar. E isso começa no exemplo.
Não há cultura de cuidado sem líderes que se cuidam, não há segurança psicológica sem que pratique vulnerabilidade, e não há confiança sem coerência. Cuidar, descobri, não é ser perfeita. É ter coragem de ser honesta, reconhecer quando o corpo pede pausa e respeitar, e admitir quando erra e seguir aprendendo. É mostrar que a força de um líder não está em controlar tudo, mas em preparar o time para seguir bem, mesmo quando ele precisar parar.
Gestar uma vida enquanto lidero uma empresa tem me ensinado que o cuidado é uma prática diária. Cuidado é, acima de tudo, uma escolha. Escolha de presença, de escuta, de equilíbrio. Se eu quero que as pessoas da Vittude se sintam seguras para serem humanas, eu também preciso me permitir ser humana. Ser exemplo não é nunca falhar, é falhar com consciência. E ser líder, afinal, é aprender a cuidar sem esquecer de si.
*Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude
Foto: Trintadezessete








