25/11/2025 - 17h40
As ciladas do recrutamento em TI: quando o match dá erro?
Para o líder de RH da Ábaco, empresas e profissionais criam situações que emperram as contratações
Por Alexandre Fleury*
O setor de TI no Brasil segue aquecido e com vagas abertas em praticamente todas as áreas, com crescimento anual de 13% em 2025, superando os Estados Unidos e a média da América Latina, segundo a IDC (International Data Corporation). Mesmo assim, o que se vê nos bastidores é uma corrida marcada por frustrações: vagas que demoram para fechar, candidatos que somem no meio do processo, exigências descoladas da realidade e uma avalanche de currículos sem aderência. No entanto, o problema raramente é a falta de talento. Na realidade, o que vem acontecendo são as ciladas que empresas e profissionais criam sem perceber e que transformam o recrutamento em uma corrida sem linha de chegada.
A primeira cilada é a do “perfil impossível”. Ainda é comum ver descrições de vagas que soam como uma lista de desejos, contendo um domínio técnico completo, experiência em múltiplas linguagens, inglês fluente, inúmeras certificações e disponibilidade imediata, tudo isso por uma remuneração mediana. Ou seja, querem um "unicórnio", mas pagam por um cavalo de corrida cansado.
Enquanto isso, o mercado global caminha na direção oposta, já que as empresas de tecnologia adotam a contratação baseada em competências (skill-based hiring), valorizando a capacidade de aprendizado e a resolução de problemas acima de títulos ou ferramentas específicas. Nesse contexto, o Brasil ainda engatinha nesse movimento.
Já a segunda cilada é a pressa. Com o déficit estimado de 106 mil novos profissionais de TI no Brasil entre 2021 e 2025, segundo a (Brasscom Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), as empresas ainda abrem processos seletivos sem briefing claro ou sem priorização real, resultando em retrabalho, candidatos frustrados e imagem desgastada.
Globalmente, 69% das companhias de tecnologia relataram aumento no tempo de contratação em 2024, de acordo com o Relatório de Insights de Contratação de 2025, da plataforma de software de gerenciamento de talentos GoodTime, ou seja, quanto mais pressa, mais há demora.
Partindo para a terceira cilada, temos o modelo inflexível. Empresas que insistem em formatos fechados, como o modelo de trabalho presencial, híbrido rígido, PJ (Pessoa Jurídica) obrigatório ou CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) exclusiva, acabam reduzindo drasticamente seu alcance. Isso porque a flexibilidade virou palavra da moda, mas ainda é tratada como exceção, quando deveria ser vista como estratégia de atração.
Há também a cilada da experiência como filtro absoluto. Nessa etapa, observamos o avanço do mercado brasileiro de software e serviços, o que significa que novos profissionais estão se formando e migrando para áreas diversas. Com isso, ignorar esses talentos em desenvolvimento é desperdiçar o que o setor mais precisa, que é a capacidade de adaptação.
Enquanto se espera o candidato "pronto", deixa-se escapar quem tem potencial, curiosidade e vontade de aprender.
Já do outro lado, os profissionais também enfrentam as próprias armadilhas, em que a mais comum é a do "me inscrevo em tudo". Com o avanço das plataformas e a alta oferta de vagas, muitos se candidatam em processos totalmente fora do perfil técnico ou da senioridade, sem saber que quem atira para todos os lados dificilmente acerta o alvo, uma vez que o excesso de candidaturas desqualificadas aumenta o tempo dos processos e contribui para o desgaste de ambos os lados.
A outra armadilha é a expectativa desalinhada, em que profissionais que buscam saltos salariais de 70% ou 80%, sem um histórico compatível, acabam gerando ruído. Com o crescimento acelerado do setor, há espaço para evolução, mas o avanço precisa vir acompanhado de consistência e autocrítica, tendo em vista que salário é consequência de entrega, e não o contrário.
Além disso, currículos genéricos, mensagens padrão e perfis desatualizados afastam rapidamente o interesse de quem recruta, uma vez que as empresas já utilizam algum nível de triagem automatizada com Inteligência Artificial (IA). Ou seja, quem não se diferencia humanamente corre o risco de virar apenas mais um dado no algoritmo.
E, por fim, temos o famoso ghosting, termo que utilizamos para quem desaparece no meio do processo seletivo sem comunicação. Essa é uma atitude cada vez mais comum, mas que mina reputações e desgasta pontes. A transparência e o respeito pelo tempo do outro são diferenciais, inclusive em TI.
Diante a tantos obstáculos, o que pode mudar o jogo nesse cenário? Entre as respostas elencadas está recrutar com propósito e entender o que a empresa realmente precisa e comunicar com clareza. Formar talentos investindo em aprendizado e olhar para o potencial, não só para o histórico é outra saída, assim como valorizar a experiência do candidato, já que cada contato é uma oportunidade de fortalecer ou desgastar a marca empregadora. Focar em relações de valor também deve ser considerado, pois processos seletivos mais humanos, com feedbacks consistentes e escuta ativa constroem confiança e pertencimento.
Por fim, mas não menos importante, é preciso acompanhar tendências, entendendo que a tecnologia e a automação ampliam a eficiência, mas não substituem o discernimento humano. Ferramentas ajudam a filtrar, mapear e analisar perfis, contudo, quem garante aderência cultural, leitura de contexto e qualidade da decisão final continua sendo gente. Dito isso, recrutamento será sempre uma combinação de dados, sensibilidade e diálogo.
Analisando todo o cenário, sem dúvida, o recrutamento em TI seguirá desafiador, e isso é um bom sinal, pois, quanto mais aprendemos com as ciladas, mais entendemos que contratar não é preencher uma vaga, e sim criar um encontro entre propósito e potencial. No fim, o verdadeiro match não acontece por acaso, ele é resultado de clareza, coerência e respeito mútuo.
*Alexandre Fleury é diretor de People da Ábaco Consulting
Foto: Divulgação/Ábaco

