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18/11/2025 - 17h42

Novo ajuste na Lei do PAT: quem ganha e quem perde com as mudanças de grande impacto

Armando Ribeiro, da Arista Tecnologia, traz sua análise sobre os impactos da modernização da Lei 6.321/76

 

Por Armando Ribeiro*

 

Em 11 de novembro, o governo sancionou o Decreto 12.712 que limita a 3,6% a taxa máxima a ser cobrada dos supermercados e restaurantes pelas operadoras do vale-alimentação e refeição, e estipula em 15 dias o prazo máximo de repasse aos estabelecimentos. As medidas vigoram a partir de 1º de janeiro, mas já se inicia um processo de transição que segue por 360 dias.

 

Segundo o governo, a medida tem por objetivo modernizar o sistema de vales, estimular a concorrência entre operadoras e reduzir custos para empresas e estabelecimentos nesse mercado, que beneficia cerca de 25 milhões de usuários. Mas é inegável tratar-se de uma mudança de altíssimo impacto para os players do mercado, a mais sensível alteração do PAT desde 2021, quando se iniciou este ciclo de ajustes.

 

Os vales-benefícios refeição e alimentação surgiram no país em 1976 logo após a criação da Lei do PAT (6.321/76 – Programa de Alimentação do Trabalhador), de grande impacto social e que promoveu a profusão de restaurantes no país, direcionando a eles grandes contingentes de novos consumidores. Nessa época, a marmita era a protagonista do horário de almoço, o trabalhador médio não tinha dinheiro para se alimentar durante o trabalho, gerando qualidade nutricional deficiente e baixa produtividade. O PAT veio corrigir isso e acertou em cheio.

 

Um dos fatores de sucesso do programa foi a utilização do benefício sempre para a finalidade específica de alimentação e através de vouchers emitidos por operadoras (antes papéis, hoje cartões). Foi assim que surgiu, ainda nos anos 1970, a Ticket precursora do mercado, depois a VR, Pluxee Brasil (na época, Cheques Cardápio) e dezenas de outras. Essas empresas tinham como característica em comum serem negócios voltados a promover boa alimentação aos usuários de seus benefícios. Se denominavam gestoras de “convênio refeição e alimentação”, tinham várias nutricionistas em seus quadros que visitavam as empresas, davam palestras de nutrição e qualidade de alimentação aos colaboradores.

 

Trabalhei no início da minha carreira em uma empresa que tinha Nutrição em sua razão social. Era a Brazilian Food, uma empresa incrível, amada por seus clientes, que atuou por 13 anos no segmento e incomodou fortemente as gigantes do setor com seu crescimento acelerado. Foi lá que comecei minha jornada nos benefícios e muito da minha formação comercial adquiri na minha passagem por lá, aprendizado valioso agora como empresário.

 

A BF, assim como outras dezenas de operadoras, sucumbiu logo após o Plano Real por não conseguir se adaptar às mudanças econômicas da época. Esse advento foi a primeira grande mudança nessa indústria, que resultou na concentração do mercado em poucas empresas. Pelos dez anos seguintes, essa concentração se manteria intacta por conta de uma barreira de entrada quase intransponível: ter que criar uma rede de aceitação nacional firmando contratos diretamente com cada estabelecimento, empreitada demorada e de custo altíssimo!

 

E, ao mesmo tempo, ter que buscar rapidamente uma base de clientes e usuários para possibilitar manter ativa a aceitação nos restaurantes. Nessa época, havia muitos players no mercado e os vales em papel davam um bom trabalho para o restaurante, pois era preciso organizá-los e levar ao endereço da operadora para solicitar reembolso. Portanto, o estabelecimento era bastante seletivo sobre manter ativos convênios que não trouxessem clientes.

 

Na metade dos anos 2000, a entrada da Alelo Brasil representou um novo redesenho na indústria. A Alelo foi planejada do zero para se tornar líder do mercado em um momento de transição dos vales em papel para cartões eletrônicos. E assim ocorreu, e só precisou de poucos anos. Por trás dessa empresa, a força coletiva do Bradesco, Banco do Brasil, Santander Brasil e Visa (os dois últimos deixaram a sociedade algum tempo depois). A potência dos bancos como canais de distribuição foi o catalisador do rápido crescimento da Alelo e da conquista da sua liderança no mercado.

 

Mas a entrada da Alelo gerou também um outro fenômeno que viria transformar para sempre o segmento: a mudança do olhar para a transação financeira. Esse era o “core” dos bancos, donos da Alelo, e foi o paradigma predominante do novo player que se instalava.

 

Nesse momento em que também ocorria a migração dos vales em papel para cartões, o mercado praticamente se nivelou ao novo formato comoditizado de transações de pagamento, modelo de diferenciação mais desafiadora. A diferença continuava na força comercial, sempre presente nas empresas tradicionais, e no índice de crescimento do mercado superior ao da economia do país, impulsionado pela maior facilidade de distribuição dos produtos, agora digitais, e pelo modelo escalado de ativação de novos clientes introduzido pelos bancos. Estima-se que a quantidade de usuários de cartões-benefícios tenha mais do que dobrado entre meados dos anos 2000 e hoje, estimado em 25 milhões.

 

Durante o período de pandemia, um tsunami veio novamente agitar esse mercado. Com a súbita mudança para trabalho em casa, surgiram novas demandas nos benefícios, dentre elas a necessidade de substituir o VR pelo VA (para possibilitar preparar a refeição em casa). Novos benefícios surgiram, como auxílio-home office (para ajudar com as despesas em casa) e o auxílio-mobilidade (para substituir temporariamente o vale-transporte). As empresas tradicionais não estavam ainda preparadas com produtos flexíveis que pudessem alterar os créditos dos benefícios sem ter que emitir e entregar novos cartões – um desafio enorme na época, nem para oferecer em escala produtos para o pagamento dos novos benefícios.

 

Lair Ribeiro, um importante autor de livros de autoajuda, certa vez conceituou que “sorte é quando a oportunidade te encontra preparado”. A sorte (leia-se preparação e foco) atingiu em cheio um grupo de empresas novatas – Swile Brasil , Caju, Flash e iFood Benefícios, que haviam entrado no segmento pouco antes da pandemia com cartões de “arranjo aberto” (bandeirados Mastercard , Visa ou Elo) aceitos em milhões de estabelecimentos, só que restringindo o uso de acordo com o tipo do benefício e o tipo de estabelecimento. Ou seja, essas empresas que haviam criado o mesmo produto, só que com um formato tecnológico mais flexível e livre da barreira de entrada de ter que credenciar redes próprias, agora viam-se diante de uma demanda de mercado que convergia fortemente com suas soluções.

 

Foi nesse cenário que o mercado novamente se redesenhou, em um ambiente de concorrência vigorosa que fez lembrar as batalhas pela conquista e manutenção de clientes dos primórdios, mas com um ingrediente novo: queixas mútuas de práticas comerciais controversas e não-conformidade com a Lei do PAT, a ponto de desencadear, a partir de 2021, várias mudanças na legislação.

 

Esse ajuste da legislação é mais o mais recente capítulo dessa epopeia e sobre o qual é possível fazer um balanço de perde-ganha:

 

Tradicionais: são as mais afetadas. A limitação da cobrança da taxa do estabelecimento a 3,6% reduz essa receita bruta para um percentual menor que isso, pois há os que pagam menos. Com a limitação do prazo de reembolso a 15 dias, essas empresas tendem a perder também parte da receita de antecipação de recebíveis dos estabelecimentos.

 

Mas as mudanças mais sensíveis são a obrigatoriedade de tornarem-se também “arranjos abertos” (quase todas já têm este modelo, mas a operação majoritária é de “arranjo fechado”, o tradicional) e abrir suas redes de aceitação para outras operadoras como forma de viabilizar a interoperabilidade determinada pela lei. Ainda há muitas dúvidas em relação a esses dois pontos, mas uma coisa certa é de que será uma transição muito trabalhosa e seguramente onerosa para essas empresas.

 

Insurgentes (as de “arranjo aberto”): em princípio, se beneficiam do fato de o aperto na estrutura da receita das tradicionais tender a tornar a competição no mercado mais equilibrada. No entanto, isso vem acompanhado da forte regulação à qual o mercado foi submetido. Isso colide com o conceito de que empresas privadas precisam de autonomia para construir modelos de negócio, decidir caminhos e prosperar.

 

Estabelecimentos (restaurantes, supermercados e outros): são os grandes ganhadores, especialmente os de menor porte, que pagarão uma taxa menor, em muitos casos até a metade do que pagam atualmente.

 

Usuários (trabalhadores): não ganham nem perdem. Na nova legislação, há dois pontos que teoricamente favoreceriam os usuários: 1) a expansão da rede de aceitação via interoperabilidade, mas é preciso reconhecer que todas as operadoras já têm uma rede de estabelecimentos robusta. 2) a diminuição do preço da alimentação nos estabelecimentos por conta da redução das taxas. Isto é tão improvável quanto a afirmação de que as taxas atuais, mais altas, cobradas pelas operadoras são responsáveis pela inflação nos alimentos, teoria totalmente infundada. Um ponto da legislação ainda pendente e que o colaborador pode perceber como positivo para ele é a portabilidade, que deve dar a opção de escolher a operadora do cartão. Mas este assunto ficou para regulamentação posterior.

 

Empresas clientes das emissoras: as que ainda têm benefícios indiretos, podem deixar de tê-los. E fica uma dúvida se esse ajuste pode indicar também uma tendência da volta da cobrança de taxas de serviços dos clientes. Provavelmente, sim. Afinal, a conta precisa fechar, tanto para as empresas tradicionais (que perdem receita) quanto para as insurgentes (que não têm rede própria de estabelecimentos). A renovação de contratos daqui por diante dará o tom de como isso ocorrerá.

 

A essa altura, é possível tirar algumas conclusões:

 

As operadoras do mercado terão um trabalho imenso para se ajustar às mudanças. Não se sabe ao certo se, ao final, tanto esforço gerará ganhos efetivos para o mercado, para as empresas e para os usuários.

 

Torcemos que sim e que o segmento, já redesenhado, continue em franco crescimento e contribuindo com a economia do país. É preciso reconhecer a importância dessa indústria como promotora do bem-estar e saúde dos trabalhadores e os impactos positivos gerados por essas empresas que, por décadas, vêm promovendo o desenvolvimento da indústria de alimentação no país.

 

Ao mesmo tempo, estamos em um momento de proliferação de tecnologias, especialmente com a Inteligência Artificial e a automação impactando mudanças nos formatos de trabalho e na gestão do RH e dos benefícios. A escuta ativa com os clientes trará potencial para desnudar oportunidades que resultem em convergir os desafios em novos modelos de negócios, novas soluções e novas fontes de receita.

 

*Armando Ribeiro é fundador e CEO da Arista Tecnologia

 

 

Foto: Divulgação/Arista