Por André Fusco
O RH vive um momento decisivo. Nunca se falou tanto sobre saúde mental no trabalho e nunca se exigiu tanto um posicionamento proativo em termos de cuidado com as pessoas. Afinal, o Brasil atingiu o maior número de afastamentos por ansiedade e depressão em pelo menos uma década, segundo dados do Ministério da Previdência Social. Além disso, o próximo ano promete um grande avanço com a vigência da obrigatoriedade da avaliação e gestão dos riscos psicossociais nas empresas por meio da atualização da NR-1.
As empresas avançaram em programas de bem-estar, seja em incentivo à prática de exercícios, mindfulness, apoio psicológico e campanhas de autocuidado. São conquistas relevantes, mas que precisam ser ampliadas para enfrentar a raiz da crise de saúde mental.
O paralelo com a LER/DORT
A história da LER/DORT ajuda a entender esse ciclo. Primeiro, houve resistência em reconhecer o problema. Depois veio a inclusão dessa condição no rol de doenças reconhecidas, o que obrigou as empresas a adotarem medidas concretas, inicialmente com a implementação da ginástica laboral (ainda focando nos doentes) e finalmente a implementação da ergonomia osteomuscular com mudanças estruturais nos postos de trabalho.
Hoje estamos em estágio semelhante com a saúde mental. A síndrome de burnout, reconhecida pela OMS como doença ocupacional, tornou-se símbolo dessa nova etapa. Se o burnout é o “LER/DORT da cabeça”, precisamos de um olhar mais amplo que vá além das soluções individuais de autocuidado. É nesse ponto que surge a ergonomia mental.
Esse conceito tem origem nos estudos de Christophe Dejours, que integrou a psicanálise com a ergonomia da atividade para desenvolver a psicodinâmica do trabalho. enquanto a ergonomia osteomuscular se dedica ao corpo, a ergonomia mental tem como objeto o aparelho psíquico. Isso significa olhar para metas, sistemas de avaliação, formas de liderança, divisão de tarefas e relações de poder que vão além do setor de RH, mas que moldam o dia a dia e impactam diretamente a motivação, o engajamento e a saúde emocional dos profissionais.
O que adoece no trabalho não é o sofrimento em si, mas o sofrimento sem sentido. O que dá sentido é perceber o valor do que se entrega e a possibilidade de evolução pessoal. E tudo isso depende das regras que organizam o trabalho.
A proposta é clara: identificar o que, no trabalho, gera saúde e pertencimento e o que gera sofrimento sem propósito, para então redesenhar regras e práticas que sejam:
♦ Saudáveis, ao reduzir riscos psicossociais;
♦ Realizadoras, ao favorecer engajamento e propósito;
♦ Sustentáveis, ao equilibrar resultados com cuidado às pessoas.
Em vez de um sistema de avaliação de qualidade que ignora a subjetividade das pessoas e apenas pune, estimulando a competitividade, por que não transformá-lo em um mecanismo de reconhecimento individual dos acertos e coletivizar as metas? Esse foi um exemplo que desenvolvi em uma empresa do setor financeiro e que resultou em mais produtividade, estímulo à colaboração, apoio entre colegas e um ambiente de trabalho mais humano. Isso é Ergonomia Mental na prática: melhorando clima, engajamento, produtividade e diminuindo gastos com sinistralidade, litígio e absenteísmo.
O papel do RH e da liderança
O desafio é que o RH sozinho não consegue avançar. Para além do conhecimento técnico, a implementação da ergonomia mental deve envolver várias áreas com o apoio da liderança e garantir autonomia para que profissionais especializados revisem processos em toda a cadeia produtiva.
Um bom caminho é iniciar com projetos-piloto em áreas específicas, revisando processos como feedback, avaliação de desempenho, PDI e modelos de remuneração. A participação dos trabalhadores também é essencial. É na escuta ativa de suas vivências, inclusive em contradições e afetos, que se revelam as causas estruturais do sofrimento.
Essas análises qualitativas trazem resultados estratégicos e, ao incluir referências internas, fortalecem a adesão de todos e favorecem a participação da liderança ao reduzirem resistências.
Com isso, também há uma virada de chave na mentalidade: não se trata de cuidar da saúde mental sem prejudicar os negócios. Cuidar da saúde mental é um excelente negócio. É investir em sustentabilidade humana, condição essencial para resultados consistentes e de longo prazo.
Quando essa lógica se alinha, todos ganham: trabalhadores, gestores e empresas. É um ciclo virtuoso.
A oportunidade da NR-1 para o futuro do trabalho
Nesse contexto, a nova NR-1 não deve ser encarada como burocracia, mas como oportunidade de transformação.
Se a ergonomia osteomuscular já nos ensinou que adaptar o trabalho ao corpo gera ganhos duradouros, agora é hora de aplicar o mesmo raciocínio à saúde mental. O futuro do trabalho deve passar por essa transição para garantir resultados sustentáveis.

André Fusco é médico-psicanalista, especialista em Ergonomia Mental e consultor em saúde mental no trabalho









