
23/09/2025 - 13h02
IA, dados e gente: o equilíbrio entre algoritmos e cultura nas empresas
A questão essencial é o que as empresas devem permitir que a IA faça, diz executiva de RH da Verity
Por Daniela Santos*
Algoritmos já decidem o que consumimos, como nos locomovemos, quais produtos aparecem em nossas telas e até a velocidade com que cadeias inteiras de suprimentos se reorganizam. No entanto, por trás da euforia tecnológica, existe uma pergunta que ainda não foi respondida: até que ponto os dados e a IA podem substituir, ou deveriam substituir, a dimensão humana nas empresas?
É fácil cair no encantamento. Modelos generativos criam textos, imagens e códigos em segundos. Plataformas de análise processam bilhões de dados com precisão quase cirúrgica. Decisões que antes exigiam horas de reuniões hoje podem ser simuladas em tempo real. Mas a questão não é apenas o que a IA pode fazer. A questão essencial é o que as empresas devem permitir que ela faça.
Toda empresa opera dentro de um conjunto de valores, explícitos ou não. Quando um líder escolhe reter um cliente difícil ou demitir um colaborador talentoso que não se adapta à cultura, não está tomando uma decisão puramente racional, mas cultural. É nesse ponto que a IA encontra sua primeira fronteira: ela processa dados, mas não carrega valores.
Um algoritmo pode calcular a probabilidade de sucesso de uma campanha, mas não consegue medir se aquela campanha é coerente com a identidade da marca. Pode recomendar cortes de custo, mas não sabe se esses cortes corroem a confiança dos colaboradores. Pode até prever padrões de comportamento, mas não entende o impacto emocional de uma decisão sobre uma equipe.
Outro ponto é que os dados, sozinhos, não resolvem nada. Eles precisam ser interpretados. E a interpretação é sempre humana. Empresas que confiam cegamente em métricas automatizadas correm o risco de perder de vista o que está acontecendo de fato.
No mundo do trabalho, isso é especialmente evidente. Plataformas de RH já conseguem medir engajamento por meio de pesquisas instantâneas, mas interpretar se um time está realmente motivado exige escuta ativa e sensibilidade humana.
Se a IA é o cérebro computacional das organizações, a cultura é seu sistema nervoso invisível. É ela que define como dados são usados, como algoritmos são aplicados e, sobretudo, quais limites não podem ser ultrapassados.
Não por acaso, as empresas que mais prosperam no uso de tecnologia são aquelas que têm culturas sólidas e coerentes. Não tratam a IA como substituta, mas como parceira. Não a colocam acima da liderança, mas a integram à liderança. A cultura funciona como filtro ético, como guia de coerência, como antídoto contra o risco de decisões puramente matemáticas.
O maior risco que corremos não é a IA tomar nossos empregos. É permitir que ela tome nossas decisões sem que percebamos. Uma empresa pode ser eficiente, escalável e lucrativa com base em dados, mas se não for capaz de inspirar confiança, gerar pertencimento e cultivar propósito, se tornará frágil diante de qualquer crise.
A pandemia nos mostrou isso de forma brutal. Empresas que já tinham culturas fortes, baseadas em confiança e clareza de valores, resistiram melhor ao caos. Já aquelas que operavam apenas por processos e números, sem densidade humana, implodiram sob a pressão. A lição permanece: sem cultura, não há resiliência.
Os algoritmos podem ser mais rápidos, mas só as pessoas podem ser éticas. A IA pode prever comportamentos, mas só a cultura pode gerar pertencimento.
Estamos entrando em uma era em que tecnologia e gente não são opostos, mas complementares. No fim, a pergunta não é "o que a IA pode fazer pela sua empresa", mas "o que a sua cultura permitirá que ela faça". Porque não são os dados que decidem o futuro de uma organização, mas as pessoas que escolhem como usá-los.
*Daniela Santos é Gerente de Gente e Cultura da Verity
Foto: Divulgação/Verity