17/09/2025 - 17h06
Cultura do excesso: o desgaste emocional de estar sempre disponível
Parte do problema está na forma como ainda medimos produtividade, alerta a psicóloga Aline Silva
Por Aline Silva*
Em 2024, o número de afastamentos do trabalho por transtornos mentais no Brasil atingiu um recorde histórico: 472.328 licenças médicas foram concedidas, representando um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Especificamente no caso da Síndrome de Burnout, os registros saltaram de 421, em 2023, para 4.883, em 2024, segundo dados do Ministério da Previdência Social. Esses números revelam mais do que estatísticas, expõem a consolidação de um modelo de trabalho que premia a hiperdisponibilidade e negligencia os limites humanos.
Vivemos, assim, em uma realidade em que a produtividade é frequentemente medida pela presença constante e não pela qualidade dos resultados entregues. A chamada “cultura do excesso” (ou hustle culture) reforça a ideia equivocada de que estar sempre online é sinônimo de comprometimento profissional.
No cotidiano, essa mentalidade se traduz em invasões sutis e frequentes dos limites pessoais: mensagens enviadas tarde da noite, reuniões fora do horário comercial ou a sensação de que desligar o computador no horário previsto pode ser interpretado como desengajamento. Quando esses comportamentos se tornam rotina, instauram um ciclo vicioso em que a disponibilidade sem limites é normalizada.
Estar sempre “ligado” mantém o cérebro em estado de alerta permanente, como se novas demandas pudessem surgir a qualquer instante. Esse padrão favorece o surgimento de sintomas de ansiedade, estresse crônico, irritabilidade e até quadros depressivos. Além disso, compromete o sono: muitos profissionais relatam acordar no meio da noite para checar mensagens, um hábito que prejudica a recuperação mental e física necessária para sustentar o desempenho ao longo do tempo.
A sobrecarga emocional também se expressa no corpo. Cefaleias recorrentes, palpitações, dores musculares, distúrbios gastrointestinais e fadiga constante são sintomas frequentes que, quando ignorados, podem evoluir para o burnout – reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como fenômeno ocupacional.
Parte do problema está na forma como ainda medimos produtividade, uma vez que privilegiando volume de horas trabalhadas em detrimento de entregas consistentes e criativas. Em muitas organizações, funcionários que nunca tiram férias ou que sacrificam finais de semana continuam a ser elogiados como “exemplos de dedicação”, perpetuando uma lógica nociva que pressiona toda a equipe a seguir padrões insustentáveis.
A mudança precisa começar pela liderança. Gestores que enviam mensagens fora do horário ou reconhecem apenas quem faz longas jornadas, ainda que de forma involuntária, reforçam esse modelo. Por outro lado, líderes que respeitam os limites de sua equipe, programam e-mails para o horário comercial e incentivam períodos de descanso contribuem para estabelecer uma cultura saudável, na qual equilíbrio e bem-estar são vistos como impulsionadores de produtividade e inovação.
As empresas também podem adotar políticas estruturais, como o “direito à desconexão”, revisão das métricas de desempenho e programas contínuos de bem-estar que incluam apoio psicológico. Mais do que benefícios, essas ações representam estratégias de sustentabilidade corporativa, fundamentais para manter talentos e prevenir afastamentos.
Para profissionais que ainda sentem que precisam estar disponíveis o tempo todo para serem reconhecidos, o recado é direto: o verdadeiro valor está em entregar resultados de qualidade, não em sacrificar o próprio equilíbrio emocional. Cuidar da saúde mental é um sinal de maturidade profissional e uma decisão essencial para manter o desempenho no longo prazo.
Empresas que compreenderem essa lógica sairão na frente. Afinal, criatividade, engajamento e inovação só florescem em ambientes que oferecem espaço para descanso e reflexão. Combater a cultura do excesso, portanto, não é apenas uma pauta de saúde mental, é um investimento estratégico para construir organizações mais humanas, produtivas e sustentáveis.
*Aline Silva é head de Psicologia da Telavita
Foto: Divulgação/Telavita