04/11/2024 - 11h17
Navegando no mar de informação: lidando com o FOMO na era digital
Esse sentimento impacta momentos importantes da vida pessoal ou profissional, diz a executiva Fernanda Carbonari
Por Fernanda Carbonari*
O século 21 trouxe consigo uma redução de distâncias e mais agilidade para a vida. Se antes esperávamos dias – ou até semanas – para que uma carta nossa chegasse na casa de um parente que mora longe e mais tempo para receber um retorno, hoje trocamos mensagens em poucos segundos. A vida ficou mais rápida, prática e, com frequência, concentrada na palma da nossa mão. Ao mesmo tempo, essa transformação ampliou muito nosso acesso à informação, com dezenas ou centenas de mensagens diárias chegando até nós via redes sociais – que também se multiplicam –, aplicativos de mensagens instantâneas e, por que não, o bom e velho e-mail.
Em meio a tanta informação, floresceu um sentimento que cada dia mais aparece no vocabulário das pessoas: o FOMO. Do inglês fear of missing out - basicamente o “medo de ficar de fora” –, o termo designa a sensação de que estamos perdendo ou deixando passar algo, o que é quase inevitável com tanta coisa acontecendo, dentro e fora das telas. Um pensamento constante de que há sempre muito mais coisas acontecendo do que damos conta de acompanhar, que pode gerar uma ansiedade permanente, desviando nossa atenção do presente.
De acordo com o relatório Fear Of Missing Out, produzido pela JWT Intelligence, o FOMO é mais comum entre millennials, que utilizam desde muito cedo tecnologias que induzem ao fenômeno. Ao mesmo tempo, constatou-se que ele está chegando em pessoas de gerações anteriores, à medida que adotam tecnologias sociais.
A síndrome pode ter efeitos nas vidas pessoal e profissional e, eventualmente, ser resultado do impacto de uma na outra. Quando incluímos nessa receita variáveis como gênero e cargo, o cenário fica mais complexo e delicado, já que, em nível familiar, ainda se espera que as mulheres estejam sempre presentes para “deixar a casa em ordem”, independentemente do cargo que ocupam. Junto com a cobrança externa e interna – fruto de anos em uma cultura que assim nos posiciona –, enfrentamos o desafio diário de conciliar as emoções envolvidas quando perdemos um momento familiar importante em decorrência de responsabilidades profissionais, por exemplo.
Eu tenho dois filhos, meus pais estão envelhecendo e, atualmente, ocupo um cargo de liderança em uma empresa com atuação internacional, que faz com que muitas vezes eu precise me ausentar de momentos familiares, sejam eles corriqueiros ou especiais. Em meio a isso, em inúmeras ocasiões, me sinto vítima do FOMO. Nesses momentos, o que tem me ajudado é criar limites claros dentro desta sociedade hiperconectada. As mídias sociais têm papel positivo na nossa vida, mas quando estou em um determinado local ou situação, me esforço para realmente estar presente naquele momento, de corpo e alma.
Por outro lado, o FOMO também aparece quando queremos nos inteirar de tudo o que está acontecendo em nosso local de trabalho ou até mesmo no nosso mercado, de forma ampla, mesmo em férias ou licenças. Nesses cenários, adoto uma estratégia pessoal que tem funcionado: além de identificar tudo o que já vejo e conheço, tento separar as coisas que ainda não conheço entre aquelas que eu “preciso saber” e aquelas que está tudo bem não saber. Isso tem tirado um peso de mim por uma busca incessante de estar sempre por dentro de tudo que acontece no mundo lá fora.
Ainda no âmbito profissional, os tentáculos do FOMO alcançam espaços como a tomada de decisões e a cultura do local de trabalho: todos os dias, novos produtos, tecnologias e soluções estão sendo lançados pelas empresas e pessoas estão sendo promovidas, demitidas ou mudando o rumo de suas carreiras. Em meio a esse mar de novidades, a liderança pode assumir um papel que não existia há algumas gerações: o de orientar a equipe a equilibrar a observação do que está acontecendo no mercado com a atenção interna necessária para desenvolver as soluções da própria companhia. O líder, nesse momento, deve ajudar seus times a tirar o melhor dos dois mundos.
Apesar desses pontos todos, existem facetas do FOMO que não são negativas e podem inclusive beneficiar o ambiente corporativo, se bem administradas. Há inúmeros casos em que acompanhar tecnologias emergentes – muitas vezes fruto do FOMO – e adotá-las em nossas empresas, mesmo quando seus impactos ainda não estão totalmente claros, leva a resultados surpreendentes. Por trabalhar em uma empresa que é líder global na distribuição de gift cards, eu e minha equipe temos o privilégio de estar em contato diário com uma rede de mais de 400 marcas parceiras, dos mais diversos setores. Isso possibilita descobrir e observar na prática uma série de novidades, que nos inspiram a inovar todos os dias. Por sermos globais, também temos a oportunidade de olhar o que está acontecendo localmente, implementar pequenos pilotos para os clientes nesses locais e posteriormente expandi-los para outras regiões.
O ponto-chave nesse processo é não se deixar levar pelo hype sem antes entender se aquilo é realmente valioso para clientes ou segmento em que trabalhamos. Sei que é difícil fazer essa seleção, mas quando estabelecemos um horizonte claro de responsabilidades – de 1, 2 e 5 anos – fica muito mais tranquilo manter o foco.
Em suma, o FOMO se tornou um companheiro frequente em nossa era hiperconectada, impactando tanto a vida pessoal quanto a profissional. No entanto, longe de nos entregarmos à ansiedade da perda constante, podemos transformar esse desafio em oportunidade.
Ao reconhecermos o FOMO e seus gatilhos, podemos buscar equilíbrio entre conexão e desligamento, entre o acompanhamento de tendências e o foco em nossas próprias jornadas e em nossa capacidade de evoluir no nosso ritmo. Cabe a cada um de nós, líderes e liderados, construir um futuro em que a tecnologia e a informação impulsionem nosso crescimento, sem nos aprisionar na angústia do "e se…?".
*Fernanda Carbonari é managing director da Blackhawk Brasil
Foto: Bruno Santo/Folhapress