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17/10/2023 - 14h44

Colocar o bem-estar e as pessoas no centro é fundamental para construir um bom pipeline de liderança

Para Miguel Nisembaum, há uma escassez na identificação das pessoas certas para cargos de liderança

 

Por Miguel Nisembaum*

 

 

 

Se somos mais conscientes da importância do bem-estar e saúde mental no trabalho, por que ele diminui o invés de aumentar?

 

Cada vez mais temos medições e programas de conscientização nas empresas, ainda assim os dados não melhoram. Os transtornos mentais relacionados ao trabalho são a terceira maior causa de afastamento no trabalho no Brasil e os dados indicam tendência de crescimento.

 

Ainda que as iniciativas de diagnóstico e plataformas de apoio com acesso a especialistas aumentaram, o que representa uma evolução, existe uma subnotificação dos casos. E mais: se mexeu muito pouco em uma das causas raiz da questão que é a forma em trabalhamos e em como premiamos as pessoas.

 

O principal obstáculo contra o bem-estar no trabalho é o trabalho

Bem o trabalho como a gente conhece, com sobrecarga, comportamento tóxico, benefícios e salários baixos e a ideia de sacrificar saúde e vida pessoal em função do emprego. Isso afeta todos os níveis hierárquicos.

 

Existe uma pesquisa feita pela Delloite indicando que 70% dos executivos consideram deixar o trabalho atual para um que apoie o seu bem-estar.

 

Ainda que haja mais consciência sobre o tema, existe uma falta de percepção por parte dos C-level sobre o real estado do bem-estar dos colaboradores.

 

A mesma pesquisa indica que um em cada três colaboradores ou executivos estão lutando com exaustão ou questões de saúde mental.

 

Em uma coisa os dois grupos concordam: 68% dos colaboradores e 81% dos executivos concordam que o bem-estar é mais importante que a sua evolução de carreira.

 

Os dois grupos também têm dificuldade em tirar um tempo livre e desconectar. Executivos têm consciência, mas falta ação. Colaboradores têm expectativas sobre o papel dos líderes que não se refletem na ação, seja definindo melhores políticas salariais, benefícios como trabalho flexível ou, ainda, desafiando o status quo propondo e criando dias sem reunião ou implantando a semana de quatro dias.

 

A sustentabilidade dos negócios é a sustentabilidade das pessoas

Pode parecer utópico, mas é necessário caminhar para um modelo de negócio que prospere e floresça junto com o potencial das pessoas que nele estão inseridas.

 

As questões relacionadas ao bem-estar afetam tudo que diz respeito a gestão de pessoas dentro das empresas desde o pipeline de lideranças, atração e retenção de talentos e engajamento.

 

Pipeline de lideranças

A evolução de movimentos como a grande resignação, quiet quitting e agora o mais novo movimento dito como quiet ambition, que difere do quiet quitting no fato em que as pessoas querem contribuir e evoluir, mas não à custa de tempo de qualidade com sua família e amigos, sua saúde física e mental, e viajar.

 

Ter uma equipe a cargo ou assumir novos desafios sem um impacto grande em remuneração não é uma das principais ambições dos colaboradores.

 

Uma pesquisa feita pela empresa de People Analytics Visier indicou que apenas 4% consideram ser promovidos a executivos como ambição de carreira.

 

Outra pesquisa feita pelo Future Forum com 10 mil pessoas identificou que o burnout entre as lideranças é maior 43% entre as médias lideranças e 37% entre os seniores.

 

Um estudo publicado na Harvard Business Review, conduzido pelas professoras Chen Zhang, Jennifer D. Nahrgang e Susan Ashford, identificou os principais riscos pelos quais pessoas consideradas competentes e capazes não querem assumir cargos de liderança, além das questões mencionadas acima, o estudo identificou três riscos:

 

1 - Risco de afetar o relacionamento interpessoal com os colegas de trabalho.

 

2 - Risco de ter a imagem afetada como agressiva ou de soberba frente aos ex-colegas agora liderados.

 

3 - Risco de ser responsabilizado e associado a fracassos do time.

 

Isso não quer dizer que as pessoas não querem contribuir. Em uma pesquisa feita com 8.000 pessoas pela autora Julie Winkle Giulioni, especialista em T&D, a principal dimensão de evolução de carreira das pessoas estava mais relacionada ao senso de contribuição do que à promoção.

 

O critério é se o trabalho é significativo para mim, se consigo desenvolver talentos, valores e interesses e se recebo o suficiente para suprir as necessidades fora do trabalho, e não necessariamente a possibilidade de assumir um novo cargo.

 

Mas o pipeline de lideranças ainda faz sentido?

Em momentos de tanta mudança, a própria estrutura de evolução de cargos em formato vertical já não faz tanto sentido com a tendência a estruturas mais horizontais e colaborativas, como squads ou células.

 

Ainda assim existe a necessidade de identificação de sucessores e líderes para essas equipes mais horizontais. E há uma escassez em identificar pessoas preparadas ou com interesse em assumir cargos de liderança.

 

Qual o possível caminho para conectar as pessoas mais com a evolução necessária nas organizações?

 

1 - Dar clareza as aspirações da empresa

A clareza de quem queremos ser como organização e que tipo de valor queremos deixar para todos nossos stakeholders, desde clientes internos, sociedade, fornecedores a clientes externos. As aspirações são visões de longo prazo mais duráveis que são menos afetadas pelas mudanças de mercado.

 

Vamos pegar um exemplo da Kobber, cliente nosso, uma empresa fabricante de granola e barras de cereal. Eles definiram sua principal aspiração ou propósito como Nutrir o seu dia a dia com alimentos mais saudáveis e feitos com amor, para que sua vida seja mais equilibrada”.

 

Ainda que se definam novos produtos, canais, serviços e formulações e métodos de fabricação, a aspiração definida é mais duradoura e pode ser manifestada na maneira como trabalhamos, na maneira como interagimos com nossos fornecedores, colaboradores e clientes.

 

Ao dar oportunidade para que os colaboradores contribuam na construção das aspirações conseguimos conectar os valores e interesses individuais com essa construção coletiva.

 

2 - Dar clareza aos desafios que estamos enfrentando

A transparência da empresa em deixar os dados e situação da organização visíveis aos colaboradores demanda maturidade, porém, quando conseguimos deixar claros os desafios e que capacidades temos que adquirir para enfrentá-los fica mais fácil que os colaboradores escolham e proponham onde querem contribuir.

 

Um exemplo disso vem de um outro cliente, a Atlas Contabilidade, citando um dos desafios, que é o de mapear as possíveis automações em processos operacionais e criar dashboards para análise de dados e gerar mais valor para os clientes.

 

Ao aproximar as pessoas dos desafios, houve maior autonomia para que os colaboradores indiquem onde querem contribuir, quem precisam preparar como sucessores, definição de formações que precisam ter de forças-tarefa para resolução de problemas.

 

Definir cenário e desafios foi uma responsabilidade corporativa e as proposições de como e quem iria contribuir têm sido uma construção coletiva.

 

De alguma forma, colocar na mesa a construção das oportunidades permitiu que as próprias equipes definissem caminhos para novas estruturas de trabalho e possíveis movimentações e sucessão.

 

3 - Dar ferramentas para que as pessoas definam caminhos de carreira conectados com seu potencial, valores e interesses

Uma das questões centrais que acaba sendo um problema na definição tradicional de um pipeline de liderança e de tantas iniciativas de Recursos Humanos é tentar fazê-la ainda de forma top down ou centralizada. Mais do que estabelecer caminhos engessados de desenvolvimento, é essencial dar ferramentas e informação para que as pessoas tenham autonomia e segurança psicológica para definir e alinhar caminhos que façam sentido para empresa e colaborador.

 

Alguns mitos precisam ser quebrados:

 

 O fato de o indivíduo ser responsável pela sua carreira não significa estar sozinho ou cada um por si.

 

 As oportunidades de crescimento não são só verticais.

 

 A empresa não é a única responsável por desenhar o futuro da carreira das pessoas.

 

Dito isso, entendemos que é importante oferecer oportunidades para que os indivíduos:

 

Definam a sua estratégia individual alinhada com a da organização.

 

 Conheçam seus pontos fortes e capacidades e pontos de atenção (autoconhecimento é fundamental para definir de forma mais consciente que atividades e contribuições são mais significativas)

 

 Redesenhem suas atividades e repensem seus relacionamentos.

 

Dar ferramentas e criar oportunidades e ritos para que as pessoas possam discutir como querem e podem contribuir acaba ajudando a resolver questões coletivas relacionadas ao bem-estar, ao aproveitamento de potencial e à identificação e preparação de sucessores:

 

 No bem-estar, quando as pessoas repensam a forma de trabalhar e como distribuir melhor entre si a carga de trabalho.

 

 No aproveitamento de potencial, quando as pessoas identificam projetos e atividades em que podem contribuir mais.

 

 E, na sucessão ou pipeline de liderança, quando executar as mudanças precisam identificar quem tem interesse e potencial para assumir aquelas atividades que não são significativas para eles, mas que podem ser para outras pessoas.

 

 

 

*Miguel Nisembaum é sócio da Mapa de Talentos e gestor na Líder Academy

 

 

Foto: Divulgação/Mapa de Talentos