11/09/2023 - 11h41
Nada do que é humano me é indiferente
Em sua coluna mensal, Marcelo Madarász lembra: não devemos perder a nossa capacidade de indignação
Por Marcelo Madarász*
Há uma famosa canção escrita por Beto Guedes que diz: “Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos, quero ver brotar o perdão onde a gente plantou juntos outra vez (…) Sol de primavera, abre as janelas do meu peito. A lição, sabemos de cor, só nos resta aprender”. Essa belíssima canção, bem adequada ao mês de setembro e mais ainda aos nossos tempos tão desafiadores, nos faz refletir a respeito de nossos tempos.
Quando somos crianças e ainda desconhecemos muitos dos desafios da jornada humana, quando temos a sorte de termos ao nosso lado, nossas mães, nossos pais ou quem faça esse papel nos sentimos protegidos e quando alguém nos dizia “está tudo bem”, acreditávamos. Era um remédio forte até mesmo para nossos pesadelos; acordar aos prantos e ter a presença carinhosa de alguém até que voltássemos a dormir, acreditando que estava tudo bem.
Muitas pessoas que estudaram psicologia poderão se lembrar do conceito de pensamento mágico como uma tentativa de escapar às ansiedades e conflitos, enfim, aos desprazeres tanto do mundo externo quanto do mundo interno. Como se o ato de pensar pudesse controlar, explicar e até mesmo modificar a realidade, além de oferecer a impressão de estabelecer uma relação causal entre dois eventos isolados. Seria uma espécie de tentativa de racionalizar o desconhecido.
Sem nos aprofundarmos nos conceitos da psicologia, o fato é que a maioria de nós amadurece e se dá conta de que, apesar da força dos pensamentos, é necessário muito mais que eles, para que algo efetivamente aconteça. Quando crescemos e aprendemos as regras do jogo adulto, nos damos conta que é necessário arregaçar as mangas e partirmos para as ações.
Todos conhecemos pessoas que têm muita dificuldade de lidar com essa realidade e parecem viver eternamente em sua infância. Baseado num dos personagens mais famosos da literatura inglesa, Peter Pan, o menino que nunca será um adulto, o psicólogo americano Dan Kiley escreveu o livro A Síndrome de Peter Pan, que, junto com O Complexo de Cinderela, de Collete Dowling, foram sucesso absoluto da década de 1980 e, com tudo o que houve de mudanças, parecem tão atuais.
Lembranças bibliográficas à parte – e que bom que temos estudos que nos ajudam a compreender o comportamento humano –, o fato é que estamos enfrentando tempos absolutamente desafiadores e da mesma forma que tivemos o apagão de talentos, temos agora o apagão do protagonismo., uma das competências mais valorizadas hoje em dia e que anda tão escassa. A coragem, o ímpeto, a ousadia de sair do campo das ideias e nos lançarmos à criação.
Muito se fala em ESG, em Diversidade, Equidade e Inclusão, mas poucas pessoas parecem dispostas a efetivamente fazerem algo de concreto e é por isso que ações como a pesquisa feita pelo Grupo Gestão RH, para que reconheçamos os CEOs e RHs Mais Admirados, são tão importantes.
Muito mais do que exercícios de egos, em tempos tristes como o atual, no qual ler jornais, assistir aos noticiários e acompanhar as redes sociais nos esgotam de tristeza e desesperança, é necessário para a sobrevivência de nossa esperança que possamos enxergar a luz e tomarmos consciência de que, se, por um lado, há muitas sombras e forças das trevas, há muita luz e pessoas fazendo trabalhos belíssimos em prol do outro, do coletivo, da humanidade.
É necessário sabermos desses exemplos e aplaudirmos como estratégia de resgate da nossa fé no ser humano. Embora eu tenha ouvido da queridíssima Lia Diskin a versão “nada do que é humano me é indiferente”, é mais conhecida a versão: nada do que é humano me é estranho. A frase é de autoria de Publio Terêncio Afro, dramaturgo e poeta romano, nascido entre 195 e 185 a.C., e, se por um lado nos faz refletir sobre o fato de que não devemos nos surpreender com as ações humanas, não devemos também perder a nossa capacidade de indignação com o que é absurdo, desumano, desrespeitoso, sujo, ilícito, ilegal, antiético. Dessa forma, não podemos tolerar nenhuma forma de preconceito ligado à origem, cor da pele, orientação sexual, idade ou qualquer outra característica da raça humana, mas que nos coloquemos respeitando o fato de que há níveis diferentes de consciência e que não é alimentando o ódio e a beligerância que conquistaremos algo.
Que nos lembremos que somos todos humanos numa longa jornada de evolução!
*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin
Foto: Marcos Suguio