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13/06/2023 - 16h51

O sequestro do que é mais relevante

Marcelo Madarász fala do que nos rouba a atenção do que é de fato importante e essencial

 

 

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

 

Em um mundo cada vez mais complexo, no qual nos vemos bombardeados com questões de todas as ordens, lembro-me de um trecho da peça A Alma Imoral, adaptação de Clarice Niskier para o texto do Rabino Nilton Bonder. Nesse trecho, ela diz que às vezes nossas questões são tão profundas, que precisamos buscar as respostas onde elas estiverem…

 

Aos que se denominam mais pragmáticos, lembrem-se que temos dois hemisférios cerebrais e que devemos fazer o melhor uso de ambos, o esquerdo, com o pensamento intelectual, racional, verbal e analítico e o direito que se destaca na discriminação sensorial e no pensamento emocional, não verbal e intuitivo.

 

Que possamos ampliar nosso olhar e tomar as decisões baseadas sempre no todo. Embora a peça seja absolutamente maravilhosa e traga um portal de conhecimentos, o trecho a que quero me referir é este: “Certa vez, uma criança arrebatou o melhor de mim. Eu viajava e me encontrava diante de uma encruzilhada. Vi então um menino e lhe perguntei qual seria o caminho para a cidade. Ele respondeu: ‘Este é o caminho curto e longo e este, o longo e curto.’ Tomei o curto e longo e logo me deparei com obstáculos intransponíveis de jardins e pomares. Ao retornar, reclamei: ‘Meu filho, você não me disse que era o caminho curto?’ O menino então respondeu: ‘Porém, lhe disse que era longo!’”

 

Quantas vezes, escolhemos o caminho que parece mais curto, mas cujas complicações roubarão toda nossa atenção e energia, tornando o caminho muito mais longo? Essa questão das escolhas, encruzilhadas e adversidades ao longo do caminho fazem parte da história e estão presentes em várias tradições, religiões e culturas. Pierre Fatumbi Verger, um francês que vira babalorixá, em seu livro Lendas Africanas dos Orixás, também compartilha um embate entre Exú e Oxalá e nos ensina sobre resiliência, competência cada vez mais valorizada. Essas analogias servem para nos orientar sobre os caminhos a serem percorridos e nos alertam para que não nos percamos em distrações. É necessário ser mais cuidadoso que nunca, pois, até para emitirmos opiniões, o bom senso nos pede prudência.

 

Há narrativas de todas as ordens e muitas delas estão sequestrando o tema central e recheando a história com elementos periféricos. O ser humano que se sabe ser humano e que se compromete com a construção de um mundo melhor, evidentemente valoriza a Diversidade, Equidade e Inclusão e se engajará em ações importantes para que as organizações e a sociedade como um todo façam correções de rotas (de caminhos curtos ou longos) e promovam justiça nas oportunidades. Dessa maneira, a contratação em condições de igualdade para a mulher, o negro, o gay, a pessoa com deficiência e todos os outros grupos sub-representados, colabora sobremaneira para essa harmonização entre os diferentes, numa constelação mais equilibrada. Qualquer pessoa justa, com um mínimo de consciência, ética, moral, se empenhará para que isso se torne realidade.

 

O sequestro do que é relevante acontece quando as pessoas se perdem em baldes de letrinhas ou pronomes e isso rouba a atenção do que é verdadeiramente importante e essencial.

 

Estamos à mercê de construções ideológicas pobres e que reforçam segmentações e, portanto, trazem muito mais exclusão que inclusão. A única maneira de navegarmos melhor nesses oceanos revoltos é por meio do conhecimento, do letramento (vocabulário novo) e a ampliação de nossa consciência. Assim, tomamos as rédeas dessa discussão e mantemos o foco no que é importante. Honremos os que nos antecederam, a exemplo de Martin Luther King que nos ensinou: Quando ressoar a liberdade, quando a liberdade ressoar em cada vila e em cada lugarejo, em cada estado e cada cidade, anteciparemos o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos juntarão as mãos e cantarão as palavras da velha canção dos negros:

Livres afinal! Livres afinal! Graças ao Deus Todo-Poderoso, / Estamos livres afinal!”

 

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para a América Latina da Parker Hannifin

 

 

Foto: Marcos Suguio