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08/12/2022 - 14h11

O que o futebol comunica ao mundo corporativo?

É salutar haver coerência entre o contexto interno e o que transparece para o público, diz especialista

 

 

Por Juliana Algodoal*

 

“Vestir a camisa” é uma das tantas expressões que o universo corporativo tomou emprestadas do futebol. Essa época de Copa do Mundo nos oferece boas oportunidades de traçar outros paralelos entre os embates futebolísticos e as estratégias nas empresas. Um dos focos de observação para esse exercício é o de como os técnicos se comunicam com os jogadores que comandam.

Antes do apito inicial para essa reflexão, é preciso destacar que, em geral, as pessoas costumam ter contato apenas com uma pequena parte dessa comunicação, que é a vislumbrada durante as partidas e eventualmente nas entrevistas coletivas dos treinadores.

 

Se “treino é treino, jogo é jogo”, como diz um jargão futebolístico, o que a mídia escancara é apenas um recorte da complexa relação entre líder e liderados do esporte. O principal se passa nos bastidores e os próprios comentaristas fazem ilações sobre o clima nos vestiários, a partir daquilo que é mostrado sob os holofotes.

 

Assim, quando sai um gol e os jogadores vão comemorar à beira do campo com o técnico, logo surgem especulações de que o grupo está “fechado” com seu comandante. Por outro lado, se os atletas celebram entre si a marcação do tento e deixam o treinador meio à parte, pipocam boatos de que o grupo está “rachado”.

 

Em geral, esses instantâneos refletem mesmo o estado das coisas no cotidiano, fora do alcance das câmeras. É salutar que haja essa coerência entre o contexto interno e o que transparece para o público. A comunicação do técnico precisa ser coerente e transparente. Não pode ser do tipo “o médico e o monstro”, uma cara da porta para dentro e outra da porta para fora. Uma inconstância dessas pode levar a confiança do time em seu líder à ruína.

 

Da mesma forma, considere um gestor no meio empresarial que se porte com os liderados de uma maneira em reuniões internas do time, ou mesmo no privado com cada um dos integrantes, e adote uma postura bem diferente em encontros que envolvam lideranças de outras áreas da companhia. Esse comportamento passa a imagem de pouca veracidade ou mesmo falta de lealdade do chefe. Qual seria a sua real face?

 

Nesse aspecto, um ponto de atenção diz respeito a elogios e “puxões de orelha”. Tanto no futebol como na empresa, o membro do time não gosta que o líder chame a sua atenção em público. É recomendado guardar a “bronca” para uma interação “tête-à-tête”. Ninguém quer ser linchado em praça pública.

 

Aliás, uma atitude assim pode queimar os dois lados. Em 2021, foi notório o impacto que uma discussão entre técnico e jogador flagrada pelas câmeras causou no ambiente do grupo de um grande clube brasileiro. O treinador em questão alegou que havia sido um “papo espontâneo”, mas os termos usados e o tom acusatório da ocasião não cabem em nenhum tipo de relação profissional. Não por acaso, tanto um quanto o outro não tiveram vida longa na referida equipe.

 

Elogios, por sua vez, são bem-vindos publicamente. Inclusive, podem servir de exemplo para melhorar o desempenho dos companheiros do elogiado. Essa comunicação, contudo, requer bom senso para evitar que as referências resvalem em um estigma nada positivo: o de “preferido do chefe”, que se aproxima de uma conotação de privilégio injustificado. O senso de justiça deve prevalecer na conceituação de um líder.

 

A coerência do líder também é necessária quando comparamos discurso e atitude. O bom líder é aquele que age de acordo com o que fala, e isso vale na empresa e no futebol. Muitos jogadores que têm trabalhado com técnicos portugueses que vieram para o Brasil destacam o quanto esses treinadores são focados em seu trabalho e conhecem a fundo esquemas táticos e estratégias de jogo. Essa competência, que transparece a cada dia de convívio, é fundamental para reforçar o elo de confiança entre líder e liderados, que se sentem conduzidos pelo caminho certo, por alguém que “sabe o que está fazendo” e não apenas prega uma sabedoria vazia. Trata-se de uma comunicação não verbal das mais efetivas e que é diametralmente oposta daquela do chefe que quer se impor pelo grito.

 

Pesquisas apontam que quem grita geralmente não tem razão. Ultimamente, aquele modelo de técnico linha dura, inflexível, dono da verdade e que faz valerem suas vontades falando alto e com a prerrogativa do cargo à frente dos argumentos lógicos não tem mais lugar no mercado. Um gestor empresarial nesses moldes também está fora do jogo corporativo.

 

A Copa tem situações que se comparam com o meio corporativo. O campeonato mundial reúne comandantes do mundo todo, que carregam consigo culturas diferentes e que precisam interagir com outros profissionais de backgrounds muito distintos. Exatamente o que ocorre nas corporações, cada vez mais globalizadas. Líderes migram entre países e passam a liderar times de perfil multicultural e diversos.

 

Um técnico de seleção tem a missão de coordenar, por um tempo limitado, jogadores provenientes de vários times diferentes, ali reunidos para um projeto específico: ganhar o torneio entre seleções nacionais. Essa situação me remete a um formato que se torna mais e mais comum nas empresas, o de squads de trabalho montados para determinadas finalidades. Seus líderes precisam extrair o melhor dos profissionais que chegam de outras áreas e até de outras organizações para cumprir uma meta bem direcionada.

O futebol alinha qualidades e defeitos que se aplicam a outros campos da existência. Esse raciocínio vale também para a relação entre a seara futebolística e a vivência corporativa. Extraímos boas práticas, mas cada jogo tem regras que são intransferíveis. Só quem veste a camisa de cada um deles pode conhecê-las a fundo.

 

 

*Juliana Algodoal é fundadora da Linguagem Direta e doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, área de Análise do Discurso em Situação de Trabalho

 

Foto: Bruna Veratti