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02/09/2022 - 11h39

Ninguém sabe quem sou eu, também já não sei quem sou

Entrevistas de seleção precisam da verdade para serem legítimas e sustentáveis, diz Marcelo Madárasz

 

 

Por Marcelo Madarász*

 

 

No mundo do RH e nas organizações de forma geral, as entrevistas de seleção ocupam posição estratégica uma vez que, por meio delas, tenta-se conhecer da melhor forma possível o candidato, suas fortalezas, fraquezas, competências, aspirações, potencial, propósito e, cada vez mais, seus valores com o objetivo de perceber se há alinhamento deles com os valores da empresa, fator extremamente importante para que possa acontecer o verdadeiro engajamento. Temos inúmeros recursos, como entrevistas por competências, técnicas de entrevista, assessments de vários tipos, leitura corporal, até mesmo grafologia, numerologia, investigações outras, para tentar facilitar a vida do entrevistador e diminuir as chances de erros na contratação, que evidentemente podem trazer prejuízos.

 

Se, por um lado, entrevistadores e empresas podem se capacitar para essa arte, os entrevistados também podem fazê-lo – seja no aspecto positivo que tanto valorizamos, como nas técnicas de dissimulação e disfarce de pontos fracos – como se isso pudesse de alguma forma trazer benefícios sustentáveis.

 

Há riscos de ambos os lados e quanto melhor for esse processo mais chances de termos o chamado ganha-ganha. Mas nem sempre é o que acontece. Lembro-me de ter realizado uma entrevista para uma posição de diretoria e, após cerca de dez minutos, o meu desconforto era tanto que precisei interromper e compartilhar o que estava sentindo com o candidato. Disse a ele que eu não estava compreendendo muito bem o motivo de estarmos ali naquela entrevista. A arrogância era tanta e o tom de superioridade chegava a incomodar. Em seu relato inicial, ele compartilhou que era um empresário muito bem-sucedido e narrou uma estratégia de muito orgulho. O sucesso em si não seria um problema, mas a forma como se posicionava era de soberba e altivez, que transmitiam algo muito falso. Na hora me lembrei da música do compositor conhecido como Batatinha, um dos maiores nomes do samba da Bahia, que dizia: ninguém sabe quem sou eu, também já não sei quem sou (…) na imitação da vida, ninguém vai me superar.

 

Após a lembrança da música, interrompi a entrevista e disse que ele estava contando sua trajetória tão bem-sucedida que me passou a impressão de que o cargo em questão seria muito pouco para ele e, portanto, questionei se faria sentido continuarmos. Pareceu mágica o que aconteceu. Ele relatou que o negócio que havia aberto como empreendedor havia falido e que precisava muito do emprego. Parecia outra pessoa e eu então comentei que naquele momento parecia possível iniciarmos a entrevista.

 

Foi impressionante a mudança em sua atitude e discurso. Ele conseguiu relatar uma história muito bonita de superação, aprendizados e honrar sua trajetória, só que ao mascarar e querer dar um tom de vitória, sem ser verdadeira, correu riscos sérios de não ter a chance de evidenciar o seu melhor.

 

Muita gente acaba acreditando que se negar seus tombos, erros, falhas e só contar o lado vencedor, tem mais chances de conseguir um emprego.  A pergunta é: isso é sustentável?

 

Numa pesquisa Gallup, feita com 1,7 milhão de funcionários de 101 empresas em 63 países, foi constatado que globalmente só 20% das pessoas que trabalham nas grandes organizações pesquisadas acham que usam seus pontos fortes todos os dias e, como disseram Marcus Buckingham e Donald O. Clifton em Descubra seus Pontos Fortes, a verdadeira tragédia da vida não é cada um de nós não ter suficientes pontos fortes, é fracassarmos em usar os que temos.

 

Benjamim Franklin chamou as potencialidades desperdiçadas de “relógios de sol na sombra”. Com esse equívoco de querer evidenciar apenas o lado do sucesso e esconder falhas, o risco é perder a dimensão da verdade e da integralidade – lado luz e lado sombra. Você até pode conseguir enganar alguém por algum tempo, mas a energia investida nisso vale a pena?

 

Da mesma forma que a empresa faz uma escolha, o candidato também deve fazê-la. E trabalhar numa organização que aceite e valorize cada um como é traz um conforto que promove o verdadeiro engajamento. Viva a verdadeira diversidade e inclusão. Ser quem você é não tem preço! Faça uso de seus pontos fortes e trabalhe para gerenciar seus pontos fracos. Seja inteiro!

 

 

*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin

 

 

Foto: Marcos Suguio