09/11/2020 - 15h46
Amar no frio o cobertor, amar os dias de calor
A mudança chegou sem se anunciar. Como reagir a ela? Leia o novo artigo do diretor de RH da Parker Hannifin
Por Marcelo Madarász*
Muitas pessoas conhecem a Síndrome de Poliana, caracterizada por uma tendência que algumas pessoas têm de se lembrarem mais facilmente de coisas agradáveis do que de coisas desagradáveis. Há pesquisas que mostram que, no nível consciente as pessoas se concentram, no negativo, mas no que alguns autores chamam de nível subconsciente, o foco seria no aspecto positivo.
A origem do termo é um livro escrito em 1913 por Eleanor Porter, chamado Pollyanna, que era uma garota que procurava encontrar algo para se alegrar em todas as situações. Em casos extremos, conhecemos pessoas que negam aspectos da realidade e usam uma lenta cor de rosa para tudo. Essa postura extrema pode ser compreendida como uma válvula de escape, um mecanismo de defesa, mas também como algo no limite do patológico.
No outro extremo, há aquelas pessoas que usam uma lente do horror e preferem perceber e dar muito mais atenção sempre aos aspectos sombrios e negativos. Novamente um extremo que também pode ser muito prejudicial. A sabedoria popular, um tanto quanto influenciada por conceitos religiosos do budismo ou de outras correntes orientais, vai nos lembrar do saudável caminho do meio. Nem tanto ao mar, nem tanto a terra.
Com esse contexto como pano de fundo, poderíamos nos aprofundar em vários pontos, mas não é o objetivo. Estamos no final de 2020, ano marcado pela pandemia da Covid-19 e por profundos processos de mudança decorrentes desse cenário.
A mudança chegou e não se fez anunciar e, se sinais de sua chegada foram enviados, por um motivo ou outro, decidimos ignorá-los e de repente, não mais que de repente, ou as empresas se adaptavam ou se adaptavam, não havia um caminho alternativo. Algumas que nunca sonharam com o trabalho remoto ou home office tiveram que providenciar os recursos para que isso fosse viabilizado e tivemos o início de um novo modelo de trabalho, exigindo adaptações, quebra de paradigmas e de velhos modelos mentais, a necessidade de desapego e de aprender e de aprender novamente e fazer tudo isso, com o avião em pleno voo. Para trazer uma complexidade ainda maior, o desconhecido, os medos, o medo da perda da saúde, o medo da morte própria e das pessoas amadas, as inseguranças.
Entre outras competências, a resiliência e o controle emocional passaram a ter uma relevância absoluta, que, inclusive, faria com que a governança e o gerenciamento da crise fossem bem-sucedidos ou não. Pudemos observar muitas pessoas não conseguindo lidar com os desafios, e os índices de burnout, ansiedade, depressão subiram de forma significativa. Casamentos sucumbiram, vínculos profissionais se romperam (por motivos vários) e mais uma vez a nossa fragilidade humana foi exposta. Ela já existia, no entanto, no nosso modelo de negócio, muitas pessoas preferiram escondê-la, negá-la, disfarçá-la, mas a hora da verdade chegou.
Os líderes que estão sendo bem-sucedidos na travessia do deserto são os que se colocaram a serviço e decidiram fazê-lo, assumindo suas vulnerabilidades e dosando bem o espaço da dúvida, com a assertividade, a inovação e a capacidade de convocar a todos a um necessário modelo de cooperação. Há quem invocou o seu pior, mas muitos conseguiram focar no seu propósito de vida e com isso se fortalecer para a travessia.
Não se trata de ser Poliana, mas de fazer as escolhas adequadas a cada momento. Há muito que não depende das vontades individuais e, como diz um ditado judaico, a gente planeja e Deus ri. Com isso, dado que poucas coisas são passiveis de controle, que escolhas eu vou fazer? Vou olhar o copo meio cheio ou o copo meio vazio? Vou sintonizar na perda, na desgraça, no luto ou vou usar estes sentimentos e a lembrança de nossa finitude para valorizar ainda mais cada segundo da minha vida? Vou perder mais uma vez a oportunidade do aprendizado e da evolução?
Posso reclamar todos os dias do clima, amaldiçoar o frio ou o calor, posso até fazer da reclamação e do culto ao sofrimento o meu dia a dia, mas posso também fazer a escolha de, sem negar a sombra, integrá-la à dimensão humana, invocar o amor, próprio e ao outro que também sou eu, e aprender a, como diz a canção, amar no frio o cobertor e amar os dias de calor. Boas escolhas para todos nós!
*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin
Foto de abertura: Marcos Suguio