07/09/2020 - 12h14
A beleza está no olhar de quem vê
Em novo artigo, Marcelo Madarász aborda o comportamento humano e autoconhecimento
Existe uma poesia que faz uma pergunta: existe diferença entre paixão e projeção? Sem mergulharmos nesses conceitos psicológicos, vamos imaginar algumas situações distintas. Na primeira, a criança está inserida num ambiente de harmonia, amor e ela foi muito desejada. Desde sempre, ouviu de seus pais, que muito a amam, que ela teria um futuro brilhante. E assim acontece. Numa outra situação, numa família disfuncional, com muitos conflitos, a criança sente, percebe e depois ouve claramente ou veladamente que foi um estorvo e que nunca havia sido planejada ou desejada. “Você não vai ser nada na vida!” “Nada que faz é bom!” “Nada que faz, dá certo!” “Puxou o incompetente do seu pai, é limitado como sua mãe.” E assim será. São as chamadas profecias autorrealizáveis.
Num outro contexto, um colaborador sai de uma empresa e mantém com seus ex-gestores algum tipo de vínculo. Um continua acompanhando a trajetória daquele que outrora foi membro de sua equipe e a cada passo bem sucedido, vibra, comemora, entra em contato. parabeniza e, neste mundo de pandemia e lives, o convida para fazer parte de uma live, para que possa compartilhar sua história profissional, seus acertos e erros e como superou dificuldades e conseguiu ser tão bem sucedido.
Curiosamente, outro gestor dessa pessoa acompanha os mesmos passos e, um belo dia, decide entrar em contato para “dar um feedback”. Nesse feedback não pedido, ele diz que o considera um marqueteiro, que só sabe fazer divulgação de si próprio nos grupos de Whatsapp e nas redes sociais. O ex-colaborador fica surpreso, acolhe o feedback (ele aprendeu que feedback deve ser escutado e agradecido) e vai refletir sobre o que escutou.
Como pode a mesma pessoa, com os mesmos comportamentos e atitudes, despertar nos outros reações tão distintas e opostas? Quem ele é, de verdade? O que merece elogios ou o que merece a crítica e o feed back negativo?
Numa outra situação – e esta tem se repetido aos milhões dado que estamos em 2020, no meio de uma pandemia que já vitimou de forma fatal mais de 880 mil pessoas no mundo –, um colaborador é desligado de sua empresa, em alguns casos após décadas de trabalho. Na sequência, ele se sente incompetente, impotente e profundamente culpado, tentando descobrir onde errou, quais foram suas falhas e muito provavelmente se sentindo a última das criaturas, muitas vezes até entrando em depressão, ou abusando de drogas ilícitas ou não. Outro, ao receber a mesma notícia, compreende, sente gratidão pelo período no qual ali trabalhou e por tudo que aprendeu e se vê como alguém que contribuiu, deu o seu melhor e agora, por conta do cenário, está sendo desligado.
Não se trata de ser Polyana ou de se eximir de responsabilidades, mas de ter clareza de suas fortalezas, de suas falhas e compreender que não há culpa, mas um contexto que o levou aquela situação. Como lidar com essas questões?
Primeiro, mergulhando profundamente num processo de autoconhecimento. Tendo ciência de nossa história de vida, nossas dificuldades, nossos pais, infância, nossas crenças. Como lidamos com as dificuldades? Esse processo pode levar a uma visão clara de quem se é, de qual o valor que se tem. Depois, tendo a humildade de se perceber como um aprendiz e querer aprender. Tendo esse conhecimento, ficar muito atento às armadilhas do ego. Quem verdadeiramente conhece sua essência, consegue fazer a travessia do ego para a alma. Saber que a melhor e a pior situação um dia passarão. Como disse Mário Quintana: eles passarão, e eu passarinho.
Ter consciência de si permite separar o que é seu e o que é do outro. Precisamos ter o cuidado de não entrar na loucura do outro. Já temos a nossa. Conhecedor de si haverá clareza de que não é por estar numa posição superior na hierarquia que o coloca numa posição superior moral. Há muitos líderes que são verdadeiros trogloditas emocionais. Com respeito, usando a resiliência, a flexibilidade, a arte política, há feedback que deve ser acolhido e ignorado solenemente. Qual é mesmo a intenção de quem está dando esse feedback?
Saber-se aprendiz e ter conhecimento de seu valor – nem mais e nem menos – é uma boa maneira de sobreviver melhor em ambientes muitas vezes adoecidos. Além de conexão com seu propósito, nunca esqueça quem você é. Cuidar do outro e do mundo é muito importante, mas deve-se necessariamente dar inicio a esse processo cuidando muito bem de si próprio!
Foto de abertura: Marcos Suguio