14/08/2020 - 12h29
Te ver não é mais tão bacana quanto a semana passada…
Como em um casamento tóxico, há sofrimento em certos vínculos de trabalho, diz Marcelo Madarász neste artigo
Por Marcelo Madarász*
Há muitas canções em todos os idiomas que abordam o início dos amores e o término deles. Quando o amor acaba ele pode se transformar em ódio, em vazio, em bom dia, como diz outra música, que faz referência ainda aos arrependimentos – se a gente não tivesse feito tanta coisa, dito tanta coisa, inventado tanto, feito tudo tão depressa, exagerado a dose. O fato é que, embora alguns não acreditem nisso e outros prefiram se autoenganar, o amor pode acabar. O autor Roland Barthes, escreveu uma obra-prima chamada Fragmentos de um Discurso Amoroso, no qual, com brilhantismo, narra a trajetória desde o enamoramento até o momento no qual uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada e vivida como se fosse eterna. O amor vai desbotando e aquela alegria e brilho dos primeiros momentos deixam de existir. Um dia, a voz que te despertava todos os tipos de sentimentos apaixonados pode começar a despertar a ira, a repulsa, o ódio. O ser humano é mesmo muito complexo.
Em tempos de pandemia, muitos casais tiveram que mudar radicalmente sua rotina e se viram obrigados a conviver 24 horas por dia. Essa situação somada aos medos, angústias, preocupações de todas as ordens colocou vários casamentos à prova e muitos não tiveram uma boa nota. A convivência excessiva revelou algo que talvez já estivesse presente, mas talvez de forma latente, mascarada, disfarçada. São muitas as formas que encontramos para nos enganarmos.
E nas organizações? O que esse fenômeno da paixão e da perda dela tem a ver com o mundo do trabalho? E o que a pandemia conseguiu expor neste contexto?
Fala-se muito em engajamento e vários autores comentam os componentes do comprometimento e os contratos psicológicos. Há pessoas que têm a necessidade de permanecer em seus empregos, pela absoluta falta de alternativa – real ou imaginária – e elas pensam no sacrifício que seria sair do emprego atual; além do que, o número de desempregados está assustadoramente alto. Outras permanecem porque entendem que é lógico permanecer, numa espécie de toma lá, dá cá. Pensam que essa é a melhor opção. Num nível mais elevado de comprometimento, a pessoa está emocionalmente ligada à organização e quer permanecer lá, pois enxerga um futuro comum e percebe que seu trabalho tem um grande significado.
Num mundo de pandemia e de profunda mudança no trabalho, com índices altos de desemprego, muitos colaboradores estão em pânico de perder seus empregos e talvez até por conta disso, estejam trabalhando muito mais, o que nos ajudaria a compreender os altos índices de produtividade que o home office e a situação atual trouxeram. Será que isso é verdadeiro? Podemos falar em produtividade real nesse contexto? Isso é sustentável? Um dia a conta chega.
A exemplo de muitos casamentos tóxicos, nos quais o amor acabou faz tempo, há muito sofrimento em alguns vínculos de trabalho e, apesar dele, as pessoas decidem permanecer ali e se desesperam só de pensar na perda do emprego. O sofrimento acaba se tornando um vício e a pessoa nem se permite parar para refletir se aquilo está fazendo mais bem ou mais mal a ela. Algumas mulheres principalmente estão em casamentos doentes, com maridos violentos, que as agridem de diferentes formas e, ainda assim, elas ficam, pois ele é o pai dos filhos, “ele me sustenta”. Elas nem se dão conta do quanto aquilo vai lhes corroendo a alma e a vida.
Alguns colaboradores são assim. Sem nos colocarmos na posição de vítima, o caminho para saída desse cenário é autoconhecimento, saber suas crenças, sua história de vida, suas fraquezas, suas fortalezas e, se possível, refletir sobre quem você é e qual seu propósito.
Quais são seus valores? Os valores da organização para a qual você está trabalhando estão alinhados aos seus? Esse trabalho te faz bem? Se você chegar à conclusão que não, não há o que justifique um preço tão alto – é a sua vida que está em jogo. Hora de ser muito honesto e perguntar a si mesmo: faz sentido continuar?
*Marcelo Madarász é diretor de RH para América Latina da Parker Hannifin
Foto de abertura: Marcos Suguio