11/10/2017 - 11h00
Cada povo tem o governo que merece
Por Guilherme Marback*
As pessoas não se dão conta da relevância do momento que vivemos. Estamos diante de uma oportunidade histórica de evolução da nossa sociedade. Precisamos aproveitá-la e ampliar a consciência do cidadão como principal recurso ao caminho evolucionário do País.
Costumo colocar o cidadão no topo das condições necessárias para a evolução da sociedade, mesmo sob críticas dos céticos que apontam os governantes no centro das responsabilidades e soluções por nossas mazelas. Não proponho aqui isentá-los de jeito algum, muito menos eximi-los das suas responsabilidades. Mas acredito que as verdadeiras mudanças ocorrerão a partir do cidadão.
É claro que precisamos ampliar a educação no País, melhorar a saúde e todos os aspectos da nossa infraestrutura. Mas o comportamento de toda a sociedade e suas consequências têm origem em uma camada mais profunda do ser, nos nossos valores! Em última instância, nossos governantes são reflexo do que somos!
Desviando a nossa atenção para a cultura organizacional apenas para fazermos um paralelo, encontramos que a cultura se estabelece a partir daquilo que o líder acredita e valoriza, não somente os líderes atuais, mas o legado dos líderes do passado. Isso vai gradativamente se transformando no jeito de fazer as coisas na organização. Esse jeito de ser, se manifesta nos sistemas, normas, regras e procedimentos e tudo isso é demonstrado em seus artefatos e símbolos. Essa estrutura orienta os comportamentos das pessoas, pois reconhece e gera consequências pelo “que deve ser feito ou não”.
Quando pensamos em transformar a cultura de uma organização, o primeiro passo é mensurar, caracterizar a cultura, compreender o porquê de as coisas serem feitas de determinada forma, de onde vêm... Tomar consciência do estado atual. Depois disso os líderes precisam definir qual o estado desejado, se querem mudar algo e o que se deve mudar para conduzir a Cultura da Organização para outro estágio. O processo de mudança e o tempo necessário para que se consolide variam em função das características e complexidade do sistema humano que dá vida à organização.
Segundo Richard Barrett, uma das principais autoridades nesse tema e que estará no Brasil entre os dias 24 e 25 de outubro para participar do Crescimentum Leadership Summit, em São Paulo, “as organizações não se transformam, quem se transforma são as pessoas, e a transformação começa a partir dos líderes”. Portanto, somente vai se materializar em resultados desde que os líderes efetivamente assumam novos comportamentos e não apenas um novo discurso. Também, será determinante para uma efetiva transformação que as atitudes e comportamentos dos líderes sejam congruentes com aquilo que conscientemente definiram e passaram a pregar.
Voltando para a cultura de um país, a coisa é bem mais complexa. O sistema humano de um país desenvolveu determinada cultura após gerações, como consequência de uma série de fatos e acontecimentos históricos, que determinaram modelos daquilo que se estabelece como típico, normal e característico como se fosse o caráter ou gênio daquele povo. Isto até é passível de variadas análises e interpretações antropológicas, etnológicas, filosóficas, sociológicas, que buscam compreender e caracterizar o perfil coletivo, mas seria impossível localizar nas suas origens qualquer qualificação das relações de causa e efeito, assim como conseguimos fazê-lo nas organizações, apesar das imprecisões decorrentes das suas próprias características.
O desenvolvimento do caráter ou gênio de um povo ocorre a partir de modelos e padrões estéticos, morais e éticos, consequentes da experiência histórica da coletividade e em certa medida até institivamente desenvolvido, sem qualquer grau de planejamento. Por outro lado, acredito que a transformação da cultura de uma sociedade, planejada ou não, pode acontecer a partir da tomada de consciência do coletivo, mas necessariamente ocorre como consequência de outros fatos históricos que patrocinam a reinterpretação de significados coletivamente. Isso acontece, por exemplo, em situações de guerra... Nenhum país sai de uma guerra da mesma forma que entrou, este é um fato que altera a cultura da nação como se fosse uma alteração genética.
No nosso caso, embora não estejamos vivenciando uma guerra, estamos diante de uma profunda crise política e econômica. Na raiz dessa crise, emergem assustadores padrões morais e éticos. A exposição de práticas espúrias no meio político e empresarial é de tal monta que supera as expectativas de todos, mas nos permite olhar e repensar o que deve ser aceito ou não. Estamos diante de uma fratura exposta, descortinando uma lógica que envergonha a todos, até mesmo alguns daqueles que se envolveram e que em algum momento se vangloriaram da “esperteza”. Os acontecimentos ativaram forças institucionais que produzem a esperança de tempos melhores: Operação Lava Jato, Polícia Federal, impedimento de Presidente da República, Judiciário atuante como nunca, delações premiadas, políticos de auto escalão presos, empresários do topo amargando anos de prisão... Acontecimentos inimagináveis, tempos atrás.
Mas será que tudo isso apresentará solução duradoura? Não, a grande oportunidade se apresenta pela possibilidade da reflexão e tomada de consciência. Precisamos aproveitar para mudar a nossa cultura, aquela do “levar vantagem em tudo”... De tolerar o “rouba mas faz”, de aceitar a corrupção nas mínimas coisas. Precisamos aproveitar para encontrar novos significados coletivos para o que se deve ou não fazer e assumir um papel de intolerância com aquilo que está errado!
Assim como em uma empresa, mudar a cultura de um País passa por mudar os comportamentos dos seus líderes. A grande questão é que o brasileiro se posiciona criticamente diante do Brasil e do brasileiro, olhando-o na terceira pessoa, tipo “eu sou honesto, mas o brasileiro é corrupto...” Pesquisas recentes da Barrett Values Centre, constatam que os valores do brasileiro localizam e apontam tanto os problemas quanto as soluções associadas, na terceira pessoa... “Eles precisam mudar”. São os governantes, os líderes... Sempre há os vilões e heróis! Estes são os culpados, aqueles salvam!
Mas, pensando em uma sociedade, quem são os verdadeiros líderes? Quem são aqueles que efetivamente podem mudar a cultura e o rumo das coisas? Os verdadeiros líderes, aqueles que forjam a cultura de uma nação são os cidadãos comuns, todos eles: os pais, filhos, professores, alunos... Qualquer um que tenha capacidade de influenciar o outro a se comportar do jeito correto, independente da sua classe ou posição sócio cultural, mas que se legitimam a partir dos seus comportamentos e exemplo.
Somente a partir do exercício da cidadania em cada um é que conseguiremos mudar a nossa realidade cultural. Somente assim mudaremos de patamar para uma sociedade mais solidaria, justa e cidadã.
*Guilherme Marback é head da unidade de Cultura Organizacional da Crescimentum, coach executivo e especialista em desenvolvimento de lideranças.