Revista Gestão RH - Edição 169
14/10/2025 - 10h00 Colunas
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A empresa como inovação: remodelando organizações para o futuro
Por Nuno Lopes Alves
Quando falamos em inovação, é comum associar imediatamente à tecnologia recursos como novos softwares, inteligência artificial, blockchain e metaverso, entre outros. Mas, cada vez mais, o que realmente diferencia uma organização inovadora não é a ferramenta que ela usa, e sim a forma como se organiza, pensa e atua para gerar valor. A tecnologia, afinal, está amplamente disponível para todos, e, sozinha, já não é um diferencial competitivo.
Inovação não é um destino, mas uma jornada contínua e, muitas vezes, desconfortável. Ela exige plasticidade institucional: a capacidade de remodelar o próprio DNA organizacional em resposta a realidades que mudam rapidamente. No passado, empresas que transformaram setores inteiros não o fizeram inventando tecnologias inéditas, mas sim dando alguns passos para trás, redesenhando processos, repensando modelos operacionais e reinventando a experiência do cliente. No final, o que as destacou foi uma mentalidade diferente sobre seu papel e sua forma de entregar valor.
Essa mentalidade inovadora se manifesta menos em saltos grandiosos e mais em ajustes contínuos que se acumulam ao longo do tempo. Pequenas mudanças culturais, novas formas de colaboração ou revisões simples de processos podem gerar um impacto muito maior do que um projeto de tecnologia milionário. Esse tipo de transformação, muitas vezes silenciosa no início, sustenta crescimento e relevância duradouros.
No setor de meios de pagamento, esse desafio é diário. A velocidade das mudanças é alta, impulsionada por novos padrões regulatórios, avanços em segurança digital, comportamento de consumo e tendências como pagamentos instantâneos ou moedas digitais. Liderar nesse cenário significa ir além de acompanhar essas mudanças. É preciso antecipar movimentos e criar condições internas para que a organização possa se adaptar com agilidade.
Isso exige muito mais do que investir em tecnologia de ponta. Trata-se de construir uma cultura organizacional que estimule a colaboração – e, também, a dissidência saudável de ideias –, aceite riscos de forma responsável, valorize a diversidade de perspectivas e mantenha processos suficientemente flexíveis para se adaptar. São práticas que tornam a inovação parte da rotina, não um evento isolado.
Em mercados dinâmicos, vejo que a inovação verdadeira é a que conecta estratégia e execução de forma fluida. Isso pode significar repensar estruturas de trabalho, abandonando silos e adotando modelos orientados a resultados concretos para o cliente. Não é apenas formar equipes multifuncionais, é criar organismos vivos, que se reorganizam de acordo com os desafios que surgem, com ciclos de decisão curtos e foco claro no impacto.
As empresas mais inovadoras que conheço costumam parecer simples quando observadas de fora. Essa simplicidade não é ausência de sofisticação, mas resultado da eliminação de camadas de complexidade que outros consideram inevitáveis. Ela dá velocidade e clareza para agir. No setor de tecnologia financeira, por exemplo, grandes avanços já vieram não de novas soluções técnicas, mas da capacidade de simplificar jornadas e integrar experiências priorizando a segurança, seja para consumidores, seja para parceiros de negócios.
Outro aspecto crítico é a capacidade de interpretar sinais fracos do mercado, aqueles indícios de mudança que ainda não estão nos relatórios de tendências. Detectá-los exige escuta ativa, proximidade com diferentes ecossistemas e curiosidade genuína sobre comportamentos emergentes. Muitas das rupturas mais impactantes vieram de empresas que souberam agir antes que o consenso se formasse, usando essas percepções como combustível para se reposicionar.
A liderança adaptativa é, portanto, um componente essencial para navegar esse cenário em constante transformação. Ela é a habilidade de guiar equipes em contextos em que a rota muda constantemente (e, às vezes, até o formato do “veículo” que usamos para chegar lá). Essa liderança implica flexibilidade para ajustar a estratégia, humildade para ouvir diferentes pontos de vista e coragem para tomar decisões que rompem padrões estabelecidos.
Mais do que um conjunto de habilidades, a liderança adaptativa é uma postura. Ela demanda abertura para desaprender, revisar crenças e reconhecer que respostas antigas raramente resolvem problemas novos. Essa forma de liderar não busca controlar cada variável, mas criar um ambiente em que pessoas e equipes possam responder com criatividade e rapidez às inevitáveis mudanças do caminho.
O futuro pertence às organizações que tratam sua própria estrutura como um protótipo em constante evolução. Que entendem que seu modelo de negócios é, na prática, uma tecnologia de coordenação humana capaz de ser atualizada, reconfigurada ou até reescrita. E que, mais importante que dominar as ferramentas da moda, é desenvolver a capacidade de se reconstruir sempre que necessário.
Quando a própria empresa é a inovação, a tecnologia deixa de ser o ponto de chegada para se tornar o meio. E as possibilidades de transformação se tornam infinitas.

Nuno Lopes Alves é presidente regional da Visa para América Latina e Caribe









